
Muitas criações vêm de inquietações de seus desenvolvedores. E podemos dizer que a Vórtice.ai é fruto de uma dessas inquietações. Como contou ao Coletivo Tech o cofundador e CEO da empresa, Giovanni La Porta, ao longo do ano de 2023, quando ele decidiu passar uma temporada em Londres e fazer uma especialização em inteligência artificial na Universidade de Oxford, percebeu que a tecnologia já estava mais consolidada no continente europeu e isso despertou nele um interesse maior.
De volta ao Brasil, junto com os demais sócios, criou dentro da Framework Digital (a empresa que é o carro-chefe deles) uma área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) focada em IA. A empresa já aplicava IA em diversos projetos com clientes, mas La Porta entendia que havia outro caminho a ser explorado. Ali estava lançado o embrião da Vórtice.ia. “Precisávamos entender a tecnologia e o que ela poderia proporcionar para os próximos 10 anos. Então, criamos a vertical de P&D dentro da Framework e ela se materializou na Vórtice. Ela nasce com a necessidade de prever e materializar o que pode ser feito usando IA nos próximos 5 anos”, detalha o executivo.
Além de falar sobre o surgimento da empresa, ele abordou as funcionalidades do Deep Reflection, apresentou seus pontos sobre questões éticas e falou sobre a visão de futuro da companhia. Os principais momentos da conversa, você confere na sequência.
Vitor Cavalcanti – De onde veio a inspiração para criar a Deep Reflection e o que ela entrega para quem usa?
Giovanni La Porta – Começamos a estudar o que poderia ser feito com IA e criamos uma arquitetura que é um pouco diferente das que são usadas hoje. Temos ChaGPT dominando o mercado, vieram outras LLMs (sigla para large language model) como Gemini, modelos de larga escala, e mesmo o DeepSeek, que chegou recentemente. A gente percebeu que não era possível brigar com o mercado porque não temos recursos como as big techs têm para produzir LLMs.
No Brasil, existem dois LLMs nacionais: o Amazonia IA e o Maritaca, que têm investimento para o desenvolvimento. Nós tínhamos duas escolhas: brigar pelo LLM ou pensar em algo diferente. E LLM dá trabalho, é caro e pede muito investimento. Assim, resolvemos criar SLM, que são as small language models. Em vez de treinar LLM que sabe fritar ovo e tudo mais, resolvemos criar pequenas inteligências que fossem específicas para determinadas aplicações. Tenho uma empresa que mexe só com engenharia? Vou treinar SLM para o que ela faz. Com isso, treino pequenas IAs, mais específicas e com custo mais acessível para o treinamento.
Começamos a treinar essas SLMs e, uma vez que isso aconteceu, percebemos que conseguiríamos conectá-las e fazê-las conversar entre si e até trocar informações. Percebemos também que as pessoas estão sempre criando conteúdos nas plataformas digitais. As pessoas produzem, mesmo que involuntariamente, um espelho do que elas pensam, acham, sugerem, manifestam suas opiniões. E esse ambiente se casou com a nossa ideia. Se eu consigo treinar SLM específica para determinado caso e tenho pessoa que produz opiniões, consigo treinar SLM com as opiniões dessas pessoas.
Como essas pessoas estão sempre produzindo conteúdo, e tenho recurso que entende voz, imagem, vídeo, texto, repost, eu consigo treinar uma SLM com o que a pessoa acha, gosta e fala. O Deep Reflection nasce da possibilidade de pegar tudo o que ela expressa publicamente ou de forma privada e treinar IA que espelha o que ela pessoa produz em termos de conteúdo. O espelho da consciência da pessoa. Se eu treinei a IA com tudo o que tenho público e você perguntar para ela o que você gosta, ela vai responder que gosta de laranja (que é minha preferência).
VC – Ela só responde dentro do que foi treinada ou vai opinar em outros temas?
LP – A gente utiliza RAG (sigla para Retrieval-Augmented Generation, ou geração aumentada de recuperação, que é uma técnica que melhora a qualidade da IA) e fine tunning. Mas, uma vez que treinei SLM que é baseada em LLM, ela tem poder criativo de responder dentro do que aprendeu sobre mim e do que aprendeu no treinamento anterior. Existem alucinações, a SLM tem contexto e pode responder perguntas sobre o que não falei. Com aplicação de RAG ela tende a responder da maneira mais próxima possível dentro do que treinei a máquina.
Mas nós criamos um parâmetro que é: qual porcentual de liberdade criativa que você quer que sua SLM tenha. Ela pode ser 100% o que você disse ou ter certo grau de criatividade. Eu consigo graduar dentro da arquitetura.
VC – Como ela se alinha à estratégia da Vórtice como um todo?
LP – Querendo ou não, a base dele é um prompt, como qualquer outro. Quando a gente fala do PromptFirst (outro produto da startup), pensamos o seguinte: você tem uma série de sistemas com um monte de formulários que precisam ser preenchidos com uma série de informações. Aquilo começou a ficar muito chato, principalmente quando usa smartphone. Se temos uma tecnologia que transforma linguagem natural em tudo o que preciso, para que um formulário?
Removo isso da tela do sistema e transformo num prompt e alimento tudo no meu sistema com prompt. Ex.: tenho sistema que faz controle nutricional e o paciente precisa preencher alimento que comeu, tanto de arroz, de feijão, no mobile é complicado. O que fizemos? A pessoas escreve o que fez, e o prompt preenche o form. Ele entende essa linguagem natural e traduzo para as APIs que estão integradas. Mais simples que um formulário. Isso muda até a forma como a tela é desenvolvida.
VC – Mas isso pede uma acuracidade melhor na narração? Porque sempre se fala de saber fazer as perguntas certas.
LP – A gente sabe que profissão do futuro serão engenheiros de prompt. Se faz uma boa pergunta, vai ter boa resposta. Quando o ChatGPT nasceu, pessoas usavam de qualquer forma, mas hoje já tem noção que prompt precisa ser bem-feito. As pessoas estão aprendendo a lidar com tecnologia. Foi assim com smartphone e redes sociais. A questão do prompt vai se tornar natural. A tendencia é que pessoas aprendam a usar a tecnologia e a tecnologia se aprimore com as pessoas. No ChatGPT se você escreve errado, ele consegue entender. A tecnologia tem se adaptado às pessoas. A substituição de todas as telas por prompt é utópica, mas caminha para isso.
Transcendência digital
VC – A gente vive muita discussão sobre questões éticas em IA, como vocês trabalharam esse ponto na Deep Reflection. Porque quando se fala em criar o reflexo da consciência de um criador de conteúdo, pode parecer algo estranho.
LP – Temos acompanhado muito o projeto de Lei que estava no Congresso Nacional e acompanhando (o desenrolar das discussões) na Europa. Isso é muito importante. Se você tem ChatGPT e o utiliza para criar uma música ao estilo Iron Maiden, ele vai criar. Onde estão os direitos autorais? Ele foi criado com massa de dados públicos na internet. Qual fonte ele vai te dar desse treinamento? Direitos autorais daquela música? Não tem como chegar na origem do treinamento.
O copyright nas LLMs públicas gera essa polêmica porque foram treinadas com conteúdo público e os donos não recebem nada por isso. No Deep Reflection, a própria pessoa treina o conteúdo dela. Você sabe a fonte. Se ela quer disponibilizar para outra pessoa, é rastreável com o Deep Reflection Signature. Quando treinamos o conteúdo da pessoa, marcamos com uma chave. Se alguém utilizar, ele tem copyrights. A Deepfusion, por exemplo, outra das techs que temos, permite criar reflection a partir da fusão de perfis. Se peço para criar uma música no estilo do fusion, tenho como rastrear as permissões de uso de conteúdo. Quando você entra, você precisa dar permissão para entrar em suas redes e gerar IA. Não treinamos com conteúdo sem copyright.
Quando você pergunta para o ChatGPT o que você achou sobre abertura da abertura da Olimpíada de Paris, ele vai dar resposta genérica. Mas se sou do público mais conservador, quero saber a opinião do líder religioso que sigo no Youtube. Se perguntar para o líder, ele vai dar opinião dele em cima de questões sensíveis e dizer que não concorda. E as pessoas querem opinião, não querem o que o GPT acha, mas o que o líder religioso acha. Como resolvemos questões éticas? Sou polêmico e dei resposta polêmica? No Deep Reflection sempre trago a fonte de onde a pessoa deu determinada informação.
VC – Quem deve comprar essa tecnologia de vocês?
LP – Se tenho uma fonte consigo treinar a tecnologia, então, posso aplicar ela em qualquer coisa, criadores de conteúdo, escola, empresas. Ela aprende a partir de qualquer fonte e uso em qualquer lugar. Quem produz muita coisa? Produtor de conteúdo. E onde está o que ele produz. No X, Facebook, Instagram, Youtube. Se tenho acesso a esse conteúdo, puxo e treino IA da pessoa. E o público pode fazer perguntas, ele fazendo pergunta tem resposta e a fonte. Isso aumenta engajamento na rede social do criador de conteúdo. A depender das perguntas, rola até de entender que tipo de conteúdo pede maior volume de produção.
VC – Além do Deep Reflection, vocês contam com o My Concierge AI e o Prompt First. O que podemos esperar de próximos passos da Vórtice?
LP – O Deep Reflection que eu comentei é a ponta do iceberg, mas a tecnologia é infinita, ele conta com o Deep Studio, outra tech acoplada, que é capaz de criar conteúdo em cima do que ele coletou. Ele consegue gerar para o criador de conteúdo título do vídeo, roteiro, script, narração, vídeo, thumbnail. Estamos planejando fazer o uso do Avatar. No Deep Studio conseguimos gerar 90% do conteúdo que o Youtuber faria na mão. Ele mesmo consegue publicar nas redes que tem conteúdos novos no canal. Ele produz o conteúdo e faz o marketing de distribuição do conteúdo.
Temos área de treinamento paga, o criador de conteúdo que tem curso para vender, por exemplo, ele treina (a IA) com o curso dele e coloca o conteúdo pago dentro (da plataforma). A última coisa que fizemos foi o Deep Log, você não precisa ser criador de conteúdo para ter IA. Você pode pegar seu celular e falar: hoje acordei bem, estou me sentindo bem e, assim, criamos o próprio diário digital da pessoa.
Em 5 anos você poderá conversar com seu eu de 5 anos atrás. E isso vale para ebook e áudio book. Estamos trazendo também herança digital, imagina um autor com essa tecnologia. Treina a IA antes de falecer e disponibiliza o conteúdo dele para que gerações futuras interajam com os conteúdos dele. E a memória não morre. É a transcendência digital, você consegue transcender sua mente para dentro do equipamento.
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