
Grazielle Parenti tem jornada dupla na Syngenta. Na primeira e mais conhecida, ela ocupa a posição de vice-presidente de sustentabilidade e assuntos corporativos da empresa no Brasil e, recentemente, ela também assumiu como head de aliança da cadeia de valor global. A executiva dá aula, participa de associações do setor de agro, é conselheira e tem participação ativa em fóruns como COPs, B20, Semanas de Clima. Para ela, as agendas de risco e sustentabilidade estão totalmente conectadas e as pessoas precisam entender que projetos bem elaborados geram negócios sustentáveis e lucrativos.
Entre os desafios na carreira, ela entende o desconhecimento do tema como o principal, mesmo advogando pela causa em um país cheio de oportunidade como o Brasil. Vê na capacitação das pessoas a saída para o entendimento da amplitude carregada pela palavra sustentabilidade. Otimista, ela vê na COP30, que acontecerá em Belém (PA), uma grande oportunidade de posicionamento do agro brasileiro, de o país liderar discussão de boas práticas, como com o plano de recuperação de áreas degradadas, e lembra da importância global do evento, porque ele servirá de revisão do Acordo de Paris, que completa 10 anos em 2025. A seguir, os principais trechos da conversa que o Coletivo Tech teve com ela.
Vitor Cavalcanti – Estamos num momento complexo no mundo para ESG e diversidade, muito liderado pelos EUA. Esse movimento tem provocado uma pressão no mercado e levado várias empresas a reverem suas políticas. Isso de alguma forma interfere nas ações da Syngenta, seja localmente ou globalmente?
Grazielle Parenti – A Syngenta é uma empresa global e estamos alinhados com as boas práticas e precisamos reportar essas boas práticas. Um é a parte do compliance, o arcabouço de reporte, que temos que cumprir. Nossa sede é na Suíça, temos de respeitar a legislação da Suíça, temos negócios na China, EUA, Brasil. E temos de respeitar regras locais. Então, dentro da prática de compliance, tudo vai continuar acontecendo, não vamos voltar para trás.
Essa é uma parte da sustentabilidade. A outra parte são novos modelos de negócios baseados na sustentabilidade. E isso implica dizer que ele é produtivo e lucrativo, ou seja, é bom para quem está envolvido. Essas coisas não vão parar. Se o negócio consegue ver valor, tanto internamente, quanto externamente, por que parar algo que pode ter bom benefício financeiro, reputacional, que tem ganho de credibilidade e ganho com players da cadeia? Eu entendo que, talvez, tudo o que está acontecendo, seja um catalizador do que é negócio. Talvez, filtrar: aquilo que é 100% reputacional (que também é importante) daquilo que gera valor.
Tenho dois trabalhos na Syngenta, além do trabalho no Brasil, lidero o Global Value Chain, nesse aspecto, a gente trabalha com novos modelos de negócios e temos empresas de alimentos, bebidas, biocombustíveis, bancos, tecnologia. Empresas que não são competidores e estão duas ou três etapas à frente na cadeia de valor. E como a gente consegue? A gente montou um triângulo que é Win-Win-Win. É um ganha-ganha para o produtor. E tem de ser bom para a Syngenta e para a terceira ponta são os parceiros. Se o modelo de negócio é bom para os três, vai parar por quê? Gera dinheiro, gera valor, tem benefícios extras, como reputacional.
Uma dica que dou é: se não sabe por onde começar e não tem dinheiro para contratar uma consultoria, acesse o relatório do Fórum Econômico Mundial e veja os principais riscos deste ano, dos anos anteriores, principais previsões. Aqui, temos nossa lista de gestão de risco, quando comparo com essas globais, vejo que tem muito fitch. E vários dos temas estão ligados à sustentabilidade. Principais riscos de negócio, mesmo aqueles com probabilidade baixa, tem relação com agenda ESG. Uma vez falei com uma pessoa que o G existe para fazer o E e o S acontecer. O G é gestão de risco, fazer com que as coisas tenham transparência, que os projetos sejam mensuráveis. Eu quero acreditar que estamos trabalhando para que modelos de negócios sustentáveis acelerem e que se tornem negócio, porque é lucrativo para todo mundo.
VC – Indo nessa linha, tenho visto um interesse crescente pelas agtechs e uma maior receptividade do setor a tecnologias que aliam sustentabilidade, produtividade e crescimento. Você acredita que essa abertura tem relação com sua fala, no sentido de: entenderam que dá lucro?
GP – Tem duas coisas importante: primeira é que nos últimos anos vimos uma diminuição no apetite por venture capital. Sou investidora anjo e não tenho visto tantas oportunidades e nem sei se quero arriscar no momento. Esse é o contexto macro. Agora, quando olhando o contexto da agtechs, o Brasil é o lugar. Você tem escala se a solução for bem-sucedida. O produtor do Brasil é muito aberto à novidade, é quase a razão de a Syngenta ter sucesso no Brasil. Ele quer saber de produto novo, modelos, está aberto.
No Brasil (e globalmente) a gente trabalha muito essa pauta de agricultura regenerativa e aqui é muito mais fácil. Se o produtor brasileiro entende que tem benefício, ele troca. Nos outros lugares do mundo, a gente não vê isso. Existe muita resistência para mudanças em alguns lugares.
Tudo isso para dizer que o contexto é desafiador, mas que as oportunidades estão aí e existe um mercado interessado e consumidor. O que vejo também: sou muito acessada por agtechs querendo apresentar soluções, coisas desde proteína alternativa a, até mais recentemente, temas de rastreabilidade, monitoramento. Tem compliance, garantir que área não tenha desmatamento, que seja livre de trabalho análogo à escravidão. E, em nossa prioridade, tem a busca por mais produtividade e menos impacto. É um negócio, não pode ser feito de qualquer jeito. O produtor tem olhado para essas iniciativas e negócios, mas com a visão de: vai me trazer retorno?
PRECISAMOS MOSTRAR QUE O AGRO NO BRASIL É SUSTENTÁVEL
VC – Falamos um tempo atrás e entendi que havia muito investimento e aposta em tecnologia no campo do lado de vocês. E, recentemente, vocês lançaram uma ação com polos de tecnologias espalhados pelo Brasil. O que esses polos representam de mudança em relação ao que a Syngenta vinha fazendo em tecnologia?
GP – As vezes me perguntam o que tem de interessante na agricultura do Brasil. Gente, quando fala em agricultura no Brasil, só de biomas são 6. Quando você chega em Goiás, Goiás inteiro não é a mesma coisa. Sempre trabalhamos de formas diferentes para personalizar para necessidade específica do nosso cliente. Nessas épocas de chuvas intensas que teremos esse ano, chove em um ponto e não em outro. Chove na Marginal Pinheiros e não onde moro. Transfere isso para o campo, não é a mesma coisa, não são as mesmas condições e isso para falar de chuva que é apenas um indicador.
Estamos praticamente em todos os estados, precisamos estar próximos do produtor pela diversidade dos desafios e pela diversidade do próprio produtor, são pessoas diferentes com realidades diferentes: grandes produtores, pequenos, cooperados. Levar nossas tecnologias para esses lugares, poder demonstrar, as vezes você compra um eletrodoméstico online, mas quando chega na loja tem outra percepção. Então, nada como olhar, e o agricultor gosta de ver as coisas. Esses polos são locais de demonstração e para construir relação pessoal. Valorizamos isso, temos proximidade com o produtor, a gente disfruta da confiança deles, construída ao longo de décadas. Ninguém influencia mais o produtor que o vizinho dele.
VC – Falamos sobre agricultura, startups e esse ano temos a COP30. Você sempre se faz presente nesses fóruns e queria ouvir sua análise sobre que tipo de oportunidade podemos ter com uma COP realizada no Brasil. Sabendo que somos um país cheio de oportunidades.
GP – Acompanho COPs há alguns anos. Desde a de Dubai, em 2023, foram lançadas muitas iniciativas relacionadas a sistemas alimentares. Em Dubai foi criada a frente de Dubai a Belém, pensando como se iria trabalhar um grande plano de sustentabilidade em dois anos, sem metas, mas com pontos a serem observados e colocando o desafio da segurança alimentar. Temos de lembrar que falamos de países de todo o mundo e que pessoas na Holanda, Quênia ou no Vietnam enfrentam desafios diferentes neste tema.
A agenda da agricultura tem se fortalecido, estamos com presença muito grande das empresas globalmente. Qual é a oportunidade que o Brasil tem? Esse ano é a COP30 e ela é importantíssima porque são 10 anos do Acordo de Paris, parece que foi ontem, e será revisado o que foi feito. Com relação ao Brasil, em meio a maior parte dos grandes países emissores, o Brasil é o único nesse top 20 que a maior parte da emissão vem do uso da terra. Nos demais é energia, transporte, logística.
Então, quando se fala de agricultura e mudanças climáticas, estamos falando do Brasil, são temas conectados. Por isso, essa COP é tão importante. Óbvio que temos que ter clareza que a maior parte disso tem relação com questões de ilegalidade (desmatamento ilegal). E isso é uma outra agenda e que precisa ser cuidada. Mas falando de oportunidade, a primeira coisa é deixar claro que o agro no Brasil é sustentável. E não é contar historinha. É mostrar os bons exemplos que temos, tecnologias de monitoramento. Aqui na Syngenta fazemos monitoramento semanal dos principais temas da agenda socioambiental. E não é um privilégio nosso, outras empresas fazem, a própria Embrapa tem um sistema desses.
O que eu gostaria de ver: essa será primeira COP de agricultura em um país totalmente tropical. Como a gente alavanca agenda da agricultura tropical? E o que isso tem a ver? Todos os parâmetros globais são focados na agricultura de regime temperado, ou seja, hemisfério norte, onde neva, tem menos pragas que aqui, onde desafios são outros, não tem tanta chuva. A própria Embrapa e algumas associações têm buscado fortalecer o tema agricultura tropical, entender que existem outras formas de produzir que não são somente as do hemisfério norte. Por isso, a importância dos polos de inovação, trazer tecnologia para cá e criar ou customizar aqui mesmo.
Eu acho que vamos trabalhar muito para isso e será um diferencial. Outra é ter pessoas em uma região espetacular, que é Belém, na região amazônica, e como levamos essa percepção para os visitantes de outros países de que ali mora gente, de que precisa de desenvolvimento social, combinar essas agendas. Do lado da Syngenta, estamos bem animados. Uma das prioridades do governo é levantar como bandeira na COP30 a recuperação de áreas degradas, e a Syngenta (acho que ainda posso dizer isso) é a única empresa que faz isso em escala no Brasi, de forma estruturada. E tenho dúvidas se tem no mundo. Para 2050, a FAO tinha expectativa, não lembro o número exato, de que boa parte das áreas agriculturáveis da África estariam degradadas. É uma boa oportunidade para o mundo.
A Syngenta tem o programa Reverte que é um exemplo de como fazer isso com escala. A gente tem meta de 1 milhão de hectares até 2030 (no Brasil), estamos em torno de 240 mil, o que é muita coisa. É um programa grande, mas desafios são enormes. Mapeados pelo governo são 40 milhões de hectares. Então, o desafio é grande e as oportunidades também. Essa pauta de recuperação de áreas degradadas será muito importante para o Brasil defender e ser exemplo para o resto do mundo. Veja que não é um plano de reputação, o Reverte dá certo porque é bom para produtor, é bom para gente e é bom para o banco, que tem financiamento associado. Quando essas coisas dão certo, viram prioridade, é prioridade do CEO global da empresa ir para Davos e falar de recuperação de áreas. Isso tem relação com o que falei no início da conversa sobre modelos de negócio benéficos a todos.
FALTA CONHECIMENTO SOBRE SUSTENTABILIDADE

VC – Essa pauta de recuperação de áreas é realmente muito forte. Eu tinha até preparado uma pergunta, porque o B20 soltou 10 recomendações para desenvolvimento sustentável do Brasil e uma delas é justamente essa recuperação de áreas. Tem espaço para outras empresas atuarem? A COP30 pode ajudar nesse sentido?
GP – Eu fiz parte desse grupo. A oportunidade está colocada para todos. Claro que temos nossos diferenciais, como acesso ao produtor, confiança dele, não é só um projeto de financiamento. Associado ao Reverte, temos um projeto agronômico técnico, de apoio o agricultor nessa transição de uma área que não produz quase nada para uma área produtiva. Então, não é só colocar dinheiro e comprar insumo, tem capacitação. Talvez a barreira de entrada sempre tenha sido essa proximidade do produtor e esse conhecimento técnico. Mas vemos com bons olhos a iniciativa, é coisa certa a ser feita, tem potencial gigantesco.
Quando mudarmos a conversa do agro, (tirar) essa percepção externa, de que só avançamos sob a floresta, a conversa muda. Estamos falando de área que não produz nada para uma área que sequestra carbono. Claro que quando falo de sequestro de carbono não falo de qualquer cultura, mas quando falamos de laranja, café e tantas outras culturas perenes, é praticamente reflorestamento e produtivo. Isso sem falar que o governo quer usar parte do dinheiro para reflorestar de fato.
VC – Algo que acho importante e vejo mais bem resolvido no exterior são as parcerias com academia. Tem muita pesquisa boa que acontece e não se aplica. O que tem de entrave para isso florescer? Como trabalhar junto?
GP – Eu conheço pesquisadores de várias universidades e eles batalham muito para projetos fora. Mas tem um arcabouço para que sejam enquadrados nas linhas de pesquisa. Acho que existe um apetite da academia de poder colaborar com a indústria. Não é unânime, mas é cada vez mais bem visto. O Brasil tem acadêmicos de altíssimo nível, principalmente, em agronegócio, que é um tema que temos muita liderança. Do lado das empresas, depende do perfil. A pesquisa, em geral, demora um tempo, e precisa dessa paciência de saber que paga hoje e que, se colher, será em algum momento no futuro. Acho que esse alinhamento de expectativas é relevante.
A Syngenta faz muita pesquisa, nos consideramos uma empresa de P&D. Temos aqui um monte de cientista na empresa. Temos centro de pesquisa e desenvolvimento inaugurado recentemente em Paulínia (SP), supermoderno, um dos poucos fora dos principais fora dos principais polos de atuação da empresa. Temos parceria com produtores, temos conselho de ilustres por categoria para repensar o que está acontecendo, nortear ideias. Existe uma evolução nesse relacionamento e a Embrapa faz um papel importante porque tem grandes especialistas em cada coisa que não se imagina. Poderia ter mais coisas? Sim, como pesquisa aplicada, acho que temos ainda certa morosidade que acaba dando menos empolgação por parte das indústrias, isso de maneira genérica, já que algumas frentes andam mais rapidamente.
VC – Eu queria encerrar com uma pergunta que afeta mais o seu lado como executiva. O que mais te desafia hoje em sustentabilidade, enquanto liderança especialmente no agro, quando você olha para o Brasil?
GP – Acho que o desconhecimento do que é sustentabilidade. Quando as pessoas pensam que é só coisa de gente chata que quer mudar as coisas, isso não é legal. Ou quando acha que é a pessoa que só entrega relatório. Tem o ditado que a gente não gosta daquilo que não conhece. E depois que você começa a demonstrar e a explicar que sustentabilidade no campo faz recuperação de área, aumenta biodiversidade, amplia retenção de água, a pessoa para e diz: ‘isso me interessa. Isso é sustentabilidade?’.
Então, existe um desafio muito da narrativa, do desconhecimento prévio que faz com que você enfrente barreiras de diálogo e aproximação. E é um grande trabalho que temos feito aqui, inclusive, internamente. Temos pesquisa de clima e funcionários que têm interesse em sustentabilidade são os mais engajados. Não é só para clientes, nossos colaboradores se sentem motivados com o tema.
Um segundo desafio com essa agenda é que ela não se perca no caminho, no meio das modas. Teve moda do ESG, tiveram outras, e não estou dizendo que elas não sejam boas ou necessárias, mas vivemos de ondas. Como a gente usa essa onda para criar uma linha, uma curva ascendente, principalmente em temas como mitigação de riscos, de oportunidades, de criar uma sociedade mais equilibrada? São temas que penso muito. O trem partiu da estação e não volta. Faremos de forma diferente? Uma carreira, por exemplo, não é linha reta, tem atalhos, tem problemas no meio do caminho, mas temos de continuar acreditando naquilo que fazemos e vemos valor. O que o produtor, no nosso caso, tem de desafio? Tem desafio da mudança climática, crédito, sucessão. Esses são também os meus desafios. Governança é importante para eles, homens e mulheres que fizeram agro nos últimos 40 anos estão saindo da linha de frente, sem estereotipar, mas os jovens têm interesse por outras coisas, até por uma bagagem diferente. Desafio desses grupos mais organizados é construção da perenidade. Dos pais era sobrevivência.
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