
Com agenda e passos acelerados como na época em que ocupava a cadeira de Secretária do Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Patrícia Ellen segue focada com projetos que envolvem tecnologia e sustentabilidade. Ela se tornou nos últimos anos uma das principais vozes que advogam pela economia de baixo carbono ao entender que esta se trata de uma grande oportunidade para o Brasil.
Cofundadora da AYA Earth Partners e CEO da Systemiq para América Latina, a executiva falou ao Coletivo Tech durante um evento realizado na sede da AYA que discutia tecnologia e economia verde. Antes da conversa, ela falou aos executivos presentes trazendo um paralelo sobre as big tech e o ambiente complexo que vivenciamos no mundo. Lembrou de um encontro que teve com Sam Altman, fundador da OpenAI, quando, segundo ela, o executivo trazia uma perspectiva mais otimista sobre os impactos de IA na sociedade.
Patrícia reforçou o estado de alerta mundial em relação ao clima, seja pelo aumento de temperatura assistido ao longo de 2024, seja pelas falhas frequentes em relação aos compromissos firmados no Acordo de Paris. Dentro do tema da tecnologia, pese os desafios do consumo de energia, ela ressaltou a capacidade de análises preditivas, como exemplo de benefícios para ação, e afirmou que a revolução tech e a revolução ecológica não podem ser olhadas de maneira dissociada. Ao fim da participação, ela conversou com o site e os principais trechos da entrevista, você confere a seguir.
Vitor Cavalcanti – Você traz em suas falas pontos interessantes, como as oportunidades que o Brasil tem com a indústria de data centers (DC), por conta da nossa matriz energética. Nós estamos explorando essa oportunidade da energia limpa para atrair essas infraestruturas para o Brasil?
Patrícia Ellen – Primeiro esse tema do data center é superimportante. Se você compara o modelo de inteligência artificial (IA) com computação padrão, a IA chega a consumir 30 vezes mais energia que modelos computacionais tradicionais. Temos um aumento da utilização de ferramentas de IA, antes desse crescimento acelerado na produtividade (prometido). Nas projeções do ano passado, se previa que em dois ou três anos, o consumo de energia só para IA será equivalente ao consumo da energia de todo Japão. Então, a oportunidade para uso de energia limpa para isso não é só oportunidade, mas uma responsabilidade e uma urgência. Senão, você cria uma pressão adicional na curva emissão de gás de efeito estufa, em vez de reduzir.
E o Brasil tem oportunidade enorme porque temos matriz energética mais atrativa para trazer data centers para cá. Existem alguns exemplos recentes que foram anunciados. A gente teve até um evento com uma das empresas que está fazendo trabalho de green data center no Brasil, meu sócio está envolvido em uma curadoria para o Rio de Janeiro ter um hub de green tech com previsão de data centers e existem coisas acontecendo pontualmente no Nordeste pela oferta de energia eólica e solar; mas tudo ainda aquém do tamanho da oportunidade.
VC – Falando ainda da oportunidade nessa questão dos DCs, alguns executivos olham de maneira positiva, mas entendem que é preciso um trabalho para que a inteligência esteja aqui, não só o processamento. Como fazemos para trazer essa inteligência, que conecta com seu ponto de exploração dos metais e envio para fora sem desenvolver a produção aqui? Existe algum movimento nesse sentido?
PE – Tem e inclusive acredito que esta seja umas das últimas oportunidades que o Brasil tenha de aumentar complexidade econômica e dar prosperidade para a população. A gente envelheceu sem prosperar. O crescimento histórico do PIB brasileiro está sempre na cada de 1,5% a 2%. A gente comprova que com esse novo modelo da economia verde dá para mais que dobrar o crescimento do PIB, chegando a 5,5% ao ano, ele adiciona US$ 400 bilhões à economia por ano.
Mas para isso acontecer é preciso adicionar complexidade à economia, a tecnologia mais avançada precisa ficar aqui. A gente lançou em Brasília o Relatório Pontos de Virada Tecnológica para a Transformação Ecológica. Ele traz um mapeamento das cadeias produtivas globais, que são de alto valor agregado e que o Brasil pode ser competitivo com base nos ativos que nós temos. Isso foi um trabalho feito a pedido do Ministério da Fazenda, um trabalho de 2 anos, e em cada cadeia a gente mostra esse exemplo que você acabou de dar.
Mapeamos as principais oportunidades (bioeconomia e biotecnologia, transição energética, agricultura sustentável, indústria e mobilidade, infraestrutura e adaptação climática, finanças sustentáveis e economia circular). No caso de SAF (combustível sustentável de aviação), temos insumo para 7 rotas tecnológicas no Brasil. Se a gente mapear com a escala e prioridades corretas, a gente consegue ser provedor de até 30% do mercado global de SAF, mas para isso precisa de muita tecnologia e adicionar complexidade à economia. Você não pode parar apenas na exportação do milho, soja, cana, precisamos avançar.
Precisamos garantir que seja uma COP de casos concretos
VC – E hoje nós teríamos condições de fazer isso?
PE – A gente tem uma parte das condições, mas falta investimento em escala, resolver problemas de acesso aos mercados internacionais e falta desenvolver habilidades.
VC – Onde está nossa maior trava?
PE – As três travas são igualmente desafiadoras: mobilização de capital, principalmente o capital privado; green skills, ou seja, desenvolvimento de talentos; e regras de comércio internacional, então, precisa ter acordos regionais, bilaterais, com regras que permitam que essa oportunidade se transforme em realidade. Nossa prioridade para esse ano está nesses três blocos.
VC – Falando de COP agora, eu vi que vocês estão com uma agenda extensa e várias empresas estão com mobilização forte seja em transporte, agricultura, o que pode ser a bandeira dessa COP30 e como aproveitar a oportunidade que a gente tem, até pensando em marca Brasil?
PE – O Brasil pode entregar em três frentes que criam tensão global que são: alimentar, energética e climática. O que a gente precisa é garantir que seja uma COP de casos concretos, de menos promessas e mais ação. Então, eu acredito muito não só em casos de empresas isoladas, mas em parcerias colaborativas entre organizações setoriais. Um exemplo é uma iniciativa que foi lança pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI). A Sustainable Business COP é uma ação que, assim como o B20 está para o G20, ela estaria para a COP, com empresas privadas globais mobilizadas para apresentar soluções conjuntas.
A gente as vezes trabalha de forma muito isolada, uma empresa, uma região, um país e precisamos trabalhar juntos. Tudo o que estamos fazendo aqui hoje (na AYA Earth Partners) envolve colaboração com movimentos competitivos, outros países e forças-tarefa globais.
Onde está o respeito aos povos originários?
VC – Até porque o problema é muito complexo para se resolver sozinho, né?
PE – Sim! E você precisa capturar, nada do que te falei aqui a demanda local justifica o investimento. O Brasil precisa se inserir nas cadeias globais sendo provedor de soluções, por isso, esse desenvolvimento das tecnologias aqui passa a ser um pilar fundamental de sucesso dessa oportunidade.
VC – Você fala muito da conexão da revolução tecnológica com o saber ancestral. Até onde usamos de fato essa sabedoria ancestral, principalmente quando discutimos tanto liderança humanizada e esse reconhecimento de que somos parte do ecossistema e não algo isolado?
PE – Eu vejo algumas lideranças desenvolvendo uma consciência maior por isso. A criação da AYA foi muito inspirada nessa direção. Temos aqui mais de 90 espécies, trouxemos e introduzimos biodiversidade com base no que tínhamos na Mata Atlântica da região, trazemos as pessoas para lembrar que somos natureza. Quando estão tomando decisões de negócio, as pessoas se distanciam automaticamente da natureza e aqui tentamos fazer um trabalho de integração com a natureza, para que sejam tomadas decisões conectadas com a natureza, porque, sem dúvida, serão decisões com mais sabedoria.
Temos também um trabalho via Instituto AYA com povos originários e essa conexão tem de ser na teoria, nos projetos, mas também na prática. Esse ano mesmo, viajamos o mundo e passei menos tempo na floresta do que o habitual, ouvindo os povos originários. Então, reorganizei minha agenda para os próximos dois meses e já tenho três imersões específicas, temos de dar o exemplo.
Temos o Festival Indígena acontecendo com mais de 300 lideranças indígenas e mais de mil pessoas e eles estão com dificuldades de verba para apoio na logística. E aí pergunto: onde está nosso respeito com os povos originários? Como eles não conseguem acesso a mecanismos de financiamento que permitam recursos de transporte. Sim, estamos avançando, mas numa velocidade aquém e perdemos oportunidade como seres humanos de aprender com a sabedoria ancestral que praticamente foi dizimada.
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