Painel Saúde Gramado Summit

Se o setor de saúde já foi considerado um dos mais conservadores para aplicação de tecnologia da informação em seus processos, hoje o cenário é bastante diferente. Médicos já se beneficiam da inteligência artificial, hospitais modernizam suas gestões com os mais variados softwares e pacientes já interagem por aplicativos e plataformas de vídeo para teleconsultas. Isso não significa, no entanto, que as barreiras já foram suplantadas e que vivenciamos um cenário de plena digitalização nessa área. O assunto esteve em destaque durante o Gramado Summit 2025, em Gramado (RS).

Durante painel Saúde, Inovação e Tecnologia, especialistas debateram o momento e falaram sobre as oportunidades existentes. Entre as barreiras que ainda persistem para ampliar o uso de ferramentas como inteligência artificial (IA), por exemplo, houve um consenso para a falta de conhecimento entre os médicos. Como ressaltou Manuella Zandoná, neurologista do Hospital Mãe de Deus, a falta de letramento digital é algo generalizado. “Só 30% da população brasileira tem noções básicas de tecnologia. Imagina, 30% é nada e, dos médicos, só 17% usam a inteligência artificial. A gente está sendo invadido pela inteligência artificial e não tem ninguém estudando isso ainda”, provocou.

Claro que não se pode dizer que não existem pesquisas. O próprio Coletivo Tech tem mapeado projetos que envolvem uso de IA, por exemplo, na aceleração do diagnóstico de câncer de pele ou mesmo em telemedicina para realização de procedimentos mais complexos ou, ainda, em suporte a pacientes com problemas relacionados à saúde mental. Mas existe uma avenida a ser explorada. E parte da equação só será resolvida quando o conhecimento estiver desmistificado e disseminado.

Para a fisioterapeuta Fernanda Grun Rosa, que participou da discussão, tanto profissionais de saúde, quanto as instituições precisam estar abertas ao novo. “Seria importante os profissionais da saúde se despirem de conceitos prévios, ou seja, tirarem os preconceitos em relação às tecnologias. A gente encontra ainda muita resistência dos profissionais da saúde aceitarem o novo. Aceitar que um profissional de outra área possa interferir na saúde do seu paciente, porque eles se sentem donos dos pacientes”, avaliou.

A especialista ainda seguiu na reflexão dizendo que não entende o porquê de algumas instituições de saúde ignorarem ou limitarem a entrada de novas tecnologias ou mesmo se oporem a profissionais que buscam inserir inovações em serviços de saúde. Tudo isso, na visão de Fernanda, tem relação ao preconceito e à falta de conhecimento sobre o tema.

Zelo pelo paciente

Manuella concorda com a visão de Fernanda e entende o momento como uma grande oportunidade para aqueles que querem investir em tecnologias para saúde, sobretudo, as startups conhecidas como healthtechs. Ela reconhece, no entanto, que muitas vezes o que é visto como resistência ou uma oposição ao novo tem relação com o zelar pela vida do paciente. Afinal, as práticas adotadas pelos profissionais são resultado de anos de pesquisas e testes e algo novo, para romper com determinadas tradições, pode trazer certa insegurança na realização de certos procedimentos.

“Temos que chamar os médicos para aprenderem mais sobre tecnologia e eu brinco muito isso no hospital. Queria que os desenvolvedores, as pessoas que são criativas, que têm ideias, passassem comigo no hospital para ver os perrengues que eu passo. Porque aí, sim, vai ter muita coisa, tem muita oportunidade para ser aplicada tecnologia”, comenta Manuella.

Quem também esteve no painel foi o psiquiatra Alexandre Annes Henriques, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A área da saúde mental tem estado no centro do debate sobre uso de inteligência artificial, em especial, pelo surgimento de modelos que simulam um terapeuta, seja no formato chat, robôs ou personagens criados para assistir. A visão de terapeutas, psicólogos e psiquiatras, no geral, vai mais no sentido do uso de certas ferramentas como auxílio, mas não como substituto e essa é a linha seguida por Henriques. 

“A gente tem que se lembrar que tecnologia é uma ferramenta. Então, tudo depende do modo como eu for utilizar a ferramenta”, ressalta o psiquiatra. Ele ainda comenta as orientações que o Conselho Regional de Medicina do Rio. Grande do Sul (CRM-RS) soltou sobre o uso de inteligência artificial. “A primeira, se ele (médico) usa inteligência artificial, ele tem que escrever qual é a inteligência artificial que ele usou, quando está certificada e toda essa parte técnica. A outra situação é que ele fica responsável, então não adianta dizer: ‘A inteligência artificial disse para eu fazer’. Ela é uma ferramenta e você te a última decisão.”

A responsabilidade pelo uso da IA é fundamental e a orientação do CRM-RS apenas amplia esse alerta. Além do conhecimento, citado no início do texto, outro ponto que os especialistas parecem concordar é que IA vem como complemento e não para substituir os profissionais, já que, quando buscam por um atendimento, muitas vezes o paciente busca pela pessoa e não necessariamente pela identidade profissional. Esse diálogo fluído entre médico e paciente segue necessário e essencial na prática da medicina. 

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