Silvana Machado, diretora de RH e sustentabilidade do Bradesco

Os bancos brasileiros têm apostado cada vez mais em iniciativas ligadas à sustentabilidade, seja internamente, melhorando suas práticas de negócio, seja com olhos no cliente, com, por exemplo, fundos exclusivos para negócios sustentáveis. No Bradesco, não é diferente, como detalha Silvana Machado, diretora de RH e sustentabilidade do banco, que conversou com o Coletivo Tech durante a última edição do Febraban Tech

A diferença no discurso de Silvana, no entanto, reside em alguns pontos, entre os principais: sustentabilidade arraigada na cultura da empresa, algo que ela entende ter surgido muito antes de o tema ganhar o destaque que ganhou nos últimos anos, no trabalho executado pela Fundação Bradesco e, também, no esforço em tornar o banco uma empresa mais diversa, especialmente em áreas de baixa diversidade de gênero, como tecnologia. 

Ela reforça o entendimento de pensar sustentabilidade e negócio juntos, entende que um dos principais papéis do banco está em fomentar a descarbonização por meio de crédito para que empresas repensem seus modelos de negócio e aponta a falta de conhecimento e consciência ambiental das pessoas como um dos principais desafios para quem lidera posições de sustentabilidade no Brasil. A seguir, os principais trechos da conversa.

Vitor Cavalcanti – Vocês estão no ISE da B3 há 20 anos, o que é um marco na história do banco. Que tipo de prática você destaca para uma empresa permanecer tanto tempo nesse índice?

Silvana Machado – Bom, eu vou começar te falando o seguinte: para o Bradesco, o tema de sustentabilidade é parte do nosso DNA. Eu acho que ele começou sem isso ser uma exigência regulatória ou porque era moda. Isso já estava nas práticas lá atrás quando o Amador Aguiar fundou a nossa organização. 

Vou te dar um exemplo, pensando no lado da diversidade. Ele (o Amador) colocou o gerente na porta do Bradesco para atender, pensando na estratégia de negócio. Eu sempre falo que diversidade, sustentabilidade é negócio. E o que que ele fez? Ele abriu a porta das agências, colocou o gerente ali na porta para atender pessoas de todas as rendas, de todas as classes sociais.

Falou o seguinte: esse é o banco de portas abertas para atender a todas as pessoas. Então, isso já começou a se incutir na cabeça das nossas pessoas que somos um banco para todos. Isso começou a fazer parte das nossas práticas de negócios e, portanto, a refletir em nossas pessoas.

Com o tempo isso foi evoluindo dentro das nossas práticas de negócios, de recrutamento. Tanto que quando as pessoas falam assim: “Ah, o Bradesco é o banco do povão, o Bradesco é o banco popular, está em todo lugar”, eu entendo isso como algo dentro da nossa estratégia. Obviamente, hoje a gente está se adequando ao mundo que é mais tecnológico, que você não precisa de tantos pontos físicos e tal. A gente tem que se modernizar, mas sempre de uma forma pensando que sustentabilidade é perenidade.  

VC – Sem renunciar ao DNA, certo? Porque, muitas vezes, as pessoas querem crescer e acham que para isso tem que mudar o DNA, mas a empresa consegue adaptar a cultura, que é uma coisa viva.

SM – Exato. Então, você tem valores, você tem pilares que são inegociáveis. Mas você tem que se adaptar ao mundo, né? O que o seu cliente quer, usar tecnologia, inovar etc. Mas tem pilares que são inegociáveis, como, por exemplo, no nosso caso, pilar de ser inclusivo, de ter diversidade, o pilar de respeitar, de ser ético, de ser íntegro, de fazer as coisas certas do jeito certo, isso a gente não abre mão.

VC – Quando a gente fala de sustentabilidade, normalmente as pessoas não associam o tema diretamente a um banco. E vocês têm muitas iniciativas, mas algo que ganhou muita força recentemente é governança. Eu olhei os relatórios e vocês contam com instâncias que vão do conselho ao operacional. Você acha que para funcionar a sustentabilidade numa organização como o Bradesco, a governança é realmente esse pilar essencial, independentemente do tempo que a gente vive?

SM – Eu acho, acredito e a gente tem mesmo. A nossa governança, que é o G do ESG, é robusta e o Bradesco tem isso há muito tempo, com essa formação de comitê, comissões e grupos de trabalho. O nosso comitê de sustentabilidade e diversidade, e até fazendo um parêntese aqui. As pessoas até falam: “Ah, mas por que que tem sustentabilidade e diversidade?” Que teoricamente a diversidade estaria dentro de sustentabilidade. Mas a gente faz questão de falar e mostrar que temos os dois. 

Mas voltando. Esse comitê reporta para o conselho. E nele a gente tem conselheiros que participam ativamente. O presidente desse comitê é um conselheiro, que é o Rogério Câmara. Tem outros que participam, como o Maurício Minas (ex-CIO e hoje parte do Conselho do banco), eu estou lá, entre outros nomes.

Temos também uma comissão com executivos de diversas áreas, que são as pessoas que tocam esses temas no dia a dia. Aí a área de sustentabilidade e área de diversidade estão ali ativamente trabalhando as iniciativas e os grupos. As áreas que tocam as iniciativas diretamente, sejam elas do atacado, do varejo ou do agro. As áreas que são viabilizadoras dessas ações. E temos reportes, KPIs, e uma série de controles e métricas para que a gente avalie e acompanhe o progresso. 

Aí você pode pensar: mas aí vai engessar? A gente tenta não engessar, mas tem que ter controle porque a gente tem budget, tem que ter tudo certinho numa organização desse tamanho. Eu também tenho que ter controle porque as pessoas cobram e querem saber como está o acompanhamento disso tudo, inclusive o conselho. 

VC – A forma como você descreveu a governança, me chama atenção um ponto: a área de sustentabilidade não como um silo, mas uma orquestradora. Ela é transversal na empresa? Como é fazer essa orquestração? Que é um papel que suspeito que venha do seu chapéu de RH também, certo?

SM – A gente fala isso mesmo. E você sabe que agora esse ano a gente fez uma revisão estratégica da sustentabilidade. São 30 pessoas na área de sustentabilidade e mais um time de seis pessoas na área de diversidade. Elas estão separadas, a diversidade está no RH, mas está tudo comigo.

São áreas que facilitam, orquestram, articulam com toda a organização por meio desses grupos de trabalho. Porque ninguém faz nada sozinho, aí ela tem que fazer através das áreas de negócio e das comunidades que a gente tem. Tudo acontece via negócios e por meio de projetos multifuncionais.

E tem ainda esse papel de letramento. A gente fala de transformação de negócios, que é o change, mas a gente fala de evolução cultural. A gente também tem trazido pessoas novas de mercado, que é algo que o Bradesco não fazia antes.  Seguimos tendo pessoas de carreira, mas tem gente vindo de fora, e a gente precisa comunicar para essas pessoas. 

O que que é a diversidade no Bradesco? O que que é sustentabilidade no Bradesco? E essas pessoas que chegam, muitas se se surpreendem. ‘Nossa, mas o Bradesco faz isso? Eu não sabia. Nossa, o Bradesco há 20 anos no ISE da B3. Nossa, o Bradesco desde 2019 é carbon neutral? Nossa, o Bradesco tem uma fazenda de energia solar? Como assim?’

A Fundação, por exemplo, você sabe que tem muita gente mesmo dentro do Bradesco que acha que a gente tem a Fundação Bradesco para efeitos de impostos. E isso é uma falácia. A Fundação Bradesco é a nossa maior acionista e a gente paga dividendos para ela. Quando lá atrás o Amador Aguiar, que é um visionário, a criou, o fez pensando em dar algo para a sociedade, mas também para perenidade do Bradesco. Nós temos que dar lucro, porque se a gente não der lucro, a gente não sustenta a Fundação.

Então, você pode pensar que uma grande razão de nossa existência e de nossa lucratividade é manter 42.000 alunos todos os anos. E, também, tem gente que acha que são todos filhos de funcionário. Não são. São crianças de população vulnerável, carente, em localidades diversas que precisam dessa escola.

Novos modelos de negócio

VC – Eu percebi que você fala muito da questão do negócio, sustentabilidade do negócio. Você acabou participou de um painel (no Febraban Tech) sobre mulheres em tecnologia e afirmou que diversidade também é negócio. E eu li nos relatórios que a abordagem é negócio com retorno financeiro e desenvolvimento sustentável. Se você fosse destacar, qual é o maior impacto do Bradesco quando você pensa em sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável?

SM – Olha, eu acho que hoje a gente tem que pensar na descarbonização do planeta. Eu acho que o nosso papel está em ajudar os nossos clientes, talvez, principalmente as médias empresas, por meio dos nossos produtos financeiros, a fazer uma transição para uma economia verde.

Então, pensa em uma fazenda que é pequena, uma indústria que tem que adaptar sua manufatura que polui, por exemplo, que emite gases de efeito estufa, usando uma linguagem mais simplificada. Ela tem que trocar os seus equipamentos. Ela tem que usar tecnologia para que ela pare de poluir.

Porque todo mundo fala muito: vamos neutralizar comprando créditos de carbono. Para mim isso não é a solução. Isso é muito fácil. Você vai lá, compra crédito de carbono, mas continua emitindo. Isso não resolve nada. 

O que seria bom? O que a gente deveria fazer? Ajudar aquela empresa com um produto financeiro, seja ele um crédito com uma taxa, um spread razoável para aquela empresa. Pode ser uma fazenda, uma lavanderia, uma indústria qualquer. Que ele tenha um financiamento de longo prazo, por exemplo, com uma taxa compatível, e que ele possa remodelar o negócio, seja por meio da energia que ele consome, seja por meio das máquinas que ele tem que comprar, mas um valor que ele possa pagar, assim eu ajudei aquela empresa a remodelar toda a tecnologia dela para que ela não emita o gás. Ou seja, é repensar os modelos de negócios.

VC – É aí que entram os R$ 305 bilhões em negócios sustentáveis, que é um número que consta no relatório?

SM – Exato, e a gente aumentou a meta para R$ 350 bilhões até o final do ano, porque a gente tem conseguido bater essa nossa meta. Temos aí crédito, títulos de vários tipos e são vários projetos, como esse Eco Invest, que o Governo Federal lançou e a gente captou fundos para poder fornecer mais produtos e serviços financeiros para nossos clientes, para que eles façam justamente essa transição para uma economia de baixo carbono. 

VC – Você moderou um painel na Febraban sobre a presença feminina em tecnologia. Os dados mostram que existem entre 20% e 30% de mulheres na área. Mas quando falamos em liderança o porcentual é ainda menor. Você, nessa posição de direção de RH, tendo diversidade contigo, o que você acha que é importante as empresas fomentarem para não só ampliar a diversidade internamente, mas incentivar que as meninas busquem esse tipo de formação? 

SM – Acredito que a gente tenha que começar buscando as mulheres que, por alguma razão, nem sequer pensam que elas podem. Então, por exemplo, a gente tem uma parceria com a Laboratoria já há uns 5 anos. Foi justamente a partir disso que se pensou nesse programa mais setorial que a gente, junto com a Febraban, com os sindicatos e outros bancos, falamos: “Gente, por que que a gente não faz uma coisa setorial? 

Do nosso lado, que que a gente já fazia? Usávamos a Laboratoria porque entendemos que era preciso pensar fora da caixa e que não adiantava só ir nas faculdades. As mulheres que chegaram na faculdade foram aquelas que os que os pais falaram: “Filha, você pode”. 

Vou te contar o meu o meu caso: eu venho de uma família super simples. Meus pais não estudaram, não puderam estudar, porque não tinham dinheiro. Mas eles sempre falaram assim: “(Somos três mulheres em casa) Filhas, vocês vão estudar, vocês podem ter tudo, abacaxi, laranja, o que vocês quiserem”. Acho que até por não saber que o mundo era difícil, que era machista, ou que sei lá, o que quer que seja. A gente foi para o mundo, pensando que a gente podia ser mesmo o que a gente quisesse, eu virei engenharia, trabalhei em negócios muito tempo, e depois virei RH.

E as minhas irmãs também. E eu nunca imaginei que eu teria barreiras, acho que por isso que eu cheguei aonde cheguei. Mas não é todo mundo, né? Eu sei porque tenho amigas que que falam isso: “Ah, não, o mundo vai ser machista, você não vai chegar lá e tal”. Então, quem está na faculdade, é porque alguém incentivou e falou: “Vai, porque você vai chegar lá”. Mas eu acho que a gente tem que ir antes. 

As empresas precisam ir lá naquelas pessoas que acham que não vão chegar. E empresas como a Laboratoria e a Programaria (ambas integrantes da ação setorial), estão indo nesse lugar. A gente tem que fazer mais. Inclusive, aqui com a minha área de diversidade, a gente está pensando em outros programas.

VC – Só para confirmar uma informação, hoje o Bradesco. em STEM. tem 30% de mulheres? 

SM – 30% de mulheres em STEM, que vem de todas as áreas.

VC – Para encerrar nossa conversa, pensando na sua posição hoje, mas olhando só para a sustentabilidade, o que que você acha que o seu maior desafio?

SM – Nossa, são tantos. Eu acho que a gente ainda tem um desafio de letrar as pessoas – eu diria até dentro da organização e no mercado – de que sustentabilidade é mais do que só a história de papel reciclado, sabe? O papel reciclado, vamos plantar uma árvore, sim, tem isso. Mas as pessoas ainda não entenderam ainda a necessidade de ver sustentabilidade como negócio. A gente tem que pensar como imperativo de negócios. Acredito que tenha muita gente que pensa ainda naquilo que a gente falava lá atrás, tem que fazer esse básico também, mas eu acho que a gente está longe.

Tem pessoas ainda que não tem consciência do risco climático que a gente vive. Tem gente que não acha, por exemplo, que o que aconteceu no Rio Grande do Sul é um problema. Ah, foi uma coisa que aconteceu e pronto. Não vê essa urgência. 

VC – Inclusive para o negócio, né? A gente tem falado muito de resiliência climática do ponto de vista de negócio justamente por isso. 

SM – Eu não sei, também, se porque no Brasil a gente tem tantos problemas, por exemplo, como também segurança, alimentação, corrupção, sabe, que desvia foco. Então, é bastante complexo. Talvez em países europeus, onde os outros temas são mais resolvidos, as pessoas tenham mais consciência.

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