Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS)

As enchentes de março de 2024 ainda estão vivas na memória da população gaúcha. Considerado um dos maiores desastres climáticos da história do Rio Grande do Sul, o evento dizimou estruturas, levou vidas e deixou inoperante uma série de serviços públicos. Em meio ao caos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) conseguiu seguir em funcionamento. À época, a instituição tinha dois data centers no modelo sala cofre, um deles ficou submerso e o outro se manteve em operação a partir de um gerador a diesel. O risco de parada e o limite operacional, já que a estrutura submersa respondia por 60% da capacidade, levou o Tribunal a elaborar uma estratégia de digitalização emergencial. Em dois meses a instituição saiu de uma quase parada para seus dados rodando 100% em ambiente de computação em nuvem

“Tínhamos de tomar uma decisão, como um (data center) ficaria em baixo d’água e não saberíamos quanto tempo levaria para (a enchente) recuar, decidimos manter o sistema ligado e levar para nuvem”, relembra Gabriel Belinazo, assessor de governança da diretoria de tecnologia do TJ-RS, a DITIC. Como detalhou Belinazo, em 21 dias – as etapas de migração aconteciam sempre à noite – foram migrados para ambiente AWS 200 terabytes de informação, 10 milhões de processos, 348 milhões de documentos. “Usávamos toda a banda de internet para migrar os dados durante a noite”, completou. 

O assessor do TJ-RS conta que havia muita instabilidade e, com o passar do tempo, ajuste de performance e sistema estabilizado, a diretoria conseguiu estruturar um plano de evolução tecnológica. Belizano ressalta, entretanto, que sem a migração para nuvem não haveria estabilidade suficiente para entregar um serviço estável para a população gaúcha e, tampouco, pensar em outras soluções como o uso de inteligência artificial

Jornada para inteligência artificial

Uma vez migrada toda a base de dados para nuvem, o processo de estabilização do ambiente durou em torno de dois meses e aí, então, a equipe passou a olhar para a primeira entrega de IA no tribunal. Foi pensada uma plataforma chamada Gaia, a partir da qual se deriva os nomes das soluções que usam IA no tribunal. A primeira da série pós-migração da infraestrutura foi a Gaia Assistente, lançada em 12 de junho.

Trata-se de um chatbot com o processo. Por meio dele, o magistrado faz perguntas para o documento, qual petição, o que está sendo pedido, entre outros. “Começamos a olhar o que mais demorava e era o processo de decisão, que conseguimos acelerar. Eu não acelero coleta de provas, o contraditório, mas a decisão em si, quando o processo está pronto para o magistrado ler”, detalha Belinazo, que conversou com o Coletivo Tech em São Paulo, em agosto, durante o AWS Summit

O assessor faz questão de frisar que nenhum agente de IA decide sozinho. O que é importante dada as diversas discussões sobre ética e os limites de aplicação de IA em serviços como o jurídico. “O agente apoia o magistrado. Faz rascunho de ementa, se é um de primeiro grau, ele e o assessor revisam. As decisões são aceleradas, mas não são feitas por IA.”

Digitalização para todos

Além do Gaia Assistente, já foi desenvolvida a Gaia Minuta, que tem capacidade de redigir minuta de decisão, que o magistrado pode não gostar, ajustar ou simplesmente dizer que não quer e escrever uma do zero. Belinazo explica que, no prompt, ele vai escrever o que quer e julgar se é procedente ou improcedente. 

A diretoria de tecnologia do TJ-RS saiu de um estado de emergência para aproveitar as oportunidades que a digitalização poderia proporcionar a um serviço público que precisa e carece de inovação. A migração para nuvem e a experiência inicial com IA acelerou o ímpeto interno e existem vários desenvolvimentos que acontecem de forma simultânea no tribunal, seja para atender magistrados, a população, advogados ou mesmo a área administrativa.

Em termos de modelos de IA, há de tudo um pouco, eles tentam compreender o que vai ser melhor para a estratégia de cada serviço. Há desenvolvimento interno, parcerias, criação no modelo de inovação aberta, com startups, e por aí vai. A própria plataforma Gaia conta com agentes construídos internamente e outros em parcerias. “Mas tudo exige um nível de sigilo maior, então, não pego uma ferramenta externa e coloco em itens que pede maior sigilo”, exemplificou Belinazo. Claude, GPT4All, Gemini, AWS Bedrock estão entre os modelos adotados. O Claude, por exemplo, é citado como melhor modelo para redação jurídica, mas tem seus limites, por isso eles mapeiam a segunda melhor para essa atividade. 

Resultados 

Apesar da quantidade de implementações, tudo é muito recente e eles ainda não conseguem ter comparativos para apresentar os resultados de forma estruturada. No entanto, alguns exemplos mostram que o TJ-RS está no caminho correto. “Conversando com desembargadores, por exemplo, eles contam que levavam em média 5 horas para avaliar processos simples e essa análise cai para 1 hora ou 1 hora e meia. Já a primeira redação de minutava que levava 4 horas cai para 1 minuto e meio. Foram mais de 300 mil minutas geradas em 1 mês”, comemora o assessor. 

Se para o público interno e magistrados o foco está em acelerar decisões e dar mais qualidade ao serviço público, para a população em geral, o objetivo é facilitar o acesso e democratizar o entendimento do juridiquês. Com o Gaia Explica aí, tchê, a IA gera um resumo da decisão e a pessoa consegue entender facilmente se ganhou ou perdeu. Pode parecer básico, mas muitas vezes a pessoa ganha uma ação e não consegue compreender pela linguagem do processo o resultado e/ou os próximos passos. Até o momento da entrevista, 5 mil usos foram computados. 

Olhando para o futuro das implantações, o objetivo maior é reduzir o passivo de 4,5 milhões de processos que o Rio Grande do Sul tem e não são julgados a tempo. Muitas vezes, são processos que esperam até 6 anos para uma decisão. 

Sem comentários registrados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *