IA ainda não entrega alta produtividade

O impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho vai desde deslocamento de trabalhadores, queda de renda e falhas em processos. Na visão de Dora Kaufman, pesquisadora e professora da PUC-SP/TIDD, a discussão precisa partir de uma distinção fundamental: nem toda automação é movida por IA. Ela participou do 2º Seminário do Observatório Brasileiro de Inteligência Artificial (OBIA) e trouxe questionamentos importantes sobre o assunto.

Muitos avanços recentes, desde plataformas digitais de governo até sistemas bancários, já reduzem postos de trabalho há décadas, sem necessariamente depender da inteligência artificial. O caso do setor financeiro é ilustrativo: em 1986 o Brasil tinha 900 mil bancários; hoje são 300 mil, enquanto mais de 80% dos clientes acessam serviços virtualmente, segundo a Febraban. A tecnologia, portanto, já vinha comprimindo funções muito antes da popularização da IA generativa.

Ainda assim, Dora identifica três frentes críticas na adoção da IA pelas empresas: deslocamento de trabalhadores, queda de remuneração e necessidade de qualificação. “Tanto as novas funções como as funções antigas, tradicionais, transformadas, elas precisam de qualificação”. Em pesquisa coordenada junto à Brascap, a professora constatou que reduzir custos e aumentar eficiência são as principais motivações corporativas para adotar a tecnologia. Na prática, isso significa cortes de pessoal em um cenário no qual a folha de pagamento costuma ser o maior gasto das organizações.

Formação insuficiente e contradições

Outro efeito é o rebaixamento da renda: quanto mais atividades são compartilhadas ou substituídas por máquinas, menor tende a ser a remuneração dos humanos envolvidos. Soma-se a isso a transformação das funções existentes, que passam a exigir formação técnica mais sofisticada. “A interação entre humanos e inteligência artificial, tem uma complexidade tal que não adianta só treinar, não é suficiente treinar. Você esbarra na questão da formação”. O Brasil, marcado por fragilidades históricas em educação, encontra aí um gargalo estrutural.

O que mais chama atenção, no entanto, é um paradoxo: apesar da disseminação do uso da IA no dia a dia de trabalhadores, não há sinais robustos de aumento de produtividade. Dora aponta que, sem mudanças de processos e procedimentos, os ganhos individuais de tempo não se traduzem em eficiência sistêmica: “o reconhecimento de que uma tecnologia no mercado, na economia fez diferença é quando ela muda a produtividade. Isso não tem acontecido com o uso da inteligência artificial”. O trabalhador pode escrever relatórios mais rápido, mas o tempo economizado não é realocado em tarefas produtivas. Economistas no cenário global já estão com um olhar mais atento para essa contradição.

Falta de mão de obra qualificada?

Um alerta vem também da área de recrutamento. O uso crescente de sistemas automatizados de seleção, baseados em deep learning, privilegia padrões estatísticos. Com isso, candidatos fora da curva (muitas vezes mais qualificados) acabam descartados pelos algoritmos. O resultado é um paradoxo adicional: empresas relatam escassez de talentos, mas seus próprios filtros contribuem para reduzir a diversidade e aumentar o turnover.

A tecnologia promete transformação, mas ainda não entrega ganhos de produtividade compatíveis com o impacto social que provoca. A adoção de IA deve ser comparada com alternativas e avaliado se de fato agrega valor. Dora ainda compartilhou que “isso faz parte do processo. Eu acho que a gente não deve nem supervalorizar a capacidade humana, nem supervalorizar a capacidade de inteligência artificial“.

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