2º Seminário do Observatório Brasileiro de Inteligência Artificial (OBIA)

O 2º Seminário do Observatório Brasileiro de Inteligência Artificial (OBIA) abordou um dos conceitos mais comentados no campo digital hoje em dia: a chamada Agentic Web, uma web intermediada por agentes de inteligência artificial capazes de agir em nome do usuário. Foram discutidos panoramas distintos sobre a Agentic Web, que não é apenas mais uma atualização tecnológica, mas uma mudança estrutural na forma de viver a internet.

Diogo Cortiz, pesquisador no Ceweb e professor da PUC-SP destacou que a chegada da IA generativa representa uma mudança profunda na forma como interagimos com a web. Se na chamada Web 2.0 a lógica foi centrada na produção colaborativa e nas redes sociais, a Agentic Web aponta para um modelo em que a navegação pode ser realizada por agentes autônomos, dispensando o clique direto do usuário.

A web nasceu como uma rede de links entre documentos, mas hoje o caminho tende a ser mediado por sistemas capazes de buscar informações, realizar transações e até montar páginas sob demanda. “Não necessariamente vou precisar acessar o site, mas eu posso pedir para o meu agente, o meu chatbot, fazer isso por mim. Isso muda e cria novas oportunidades, novas possibilidades que a gente ainda não consegue entender. Quais são os benefícios, os desafios?” observou Cortiz.

Esse novo modelo, porém, gera tensões em negócios digitais. Portais de notícia e e-commerces registraram aumento de acessos não-humanos: agentes que consomem conteúdo sem gerar publicidade, assinaturas ou dados analíticos para os produtores. Esses agentes driblam bloqueios, acessam conteúdos exclusivos e utilizam esses materiais em suas plataformas. O pesquisador citou o caso da Wikipédia, que viu crescer em 50% o tráfego proveniente de bots, com custos adicionais, mas sem a contrapartida financeira. A falta de padrões de interoperabilidade e de mecanismos de rastreabilidade de conteúdos sintéticos também aparecem como desafios nesta nova web.

Cortiz também falou sobre a mudança no modelo de negócio web: “é uma mudança de comportamento dos usuários e isso traz um desafio ético, de segurança, de privacidade, porque as pessoas estão passando a consumir uma resposta pronta, em vez de uma pluralidade de conteúdos”.

Agentes como aliados da pesquisa e da inovação

O executivo Christian Perrone, diretor de relações governamentais da Microsoft, trouxe uma leitura otimista, enxergando na Agentic Web a chance de superar barreiras históricas. Agentes podem funcionar como uma espécie de “exército de assistentes virtuais”, capazes de ampliar o alcance da pesquisa científica e cultural. “Poder encontrar aqueles artigos de brasileiros que são super interessantes e que talvez não tenham chegado nas principais revistas. É a possibilidade de você ter acesso a elementos culturais que estão em qualquer outro local, mas que talvez não sejam os mais vistos, porque não tem a mesma possibilidade de estar no maior portal, na revista mais famosa”, afirmou.

Perrone ressaltou que a nova fase da web não é apenas de informação, mas de ação: agentes que executam tarefas complexas, economizando tempo e expandindo horizontes. Na visão do executivo, isso pode favorecer tanto empresas de fronteira, que já incorporam a web como parte essencial do negócio, quanto organizações que atuam de forma mais tangencial, mas encontrarão novas oportunidades de serviços e interações.

Ele reconheceu que há riscos, especialmente em relação a modelos de negócio tradicionais baseados em tráfego, mas defendeu que a mudança deve ser vista como um novo paradigma repleto de possibilidades. “Talvez hoje a gente esteja passando por uma mudança de paradigma ainda mais ampla, mas de fato, a gente tem que pensar que é uma mudança de paradigma que tem em si mesmo muitas oportunidades”, resumiu.

Jornalismo e concentração de poder

O setor de imprensa também está envolvido com as mudanças trazidas pela IA. Juliana Causin, jornalista do jornal O Globo, entende que a Agentic Web acende um alerta sobre a sustentabilidade do jornalismo, já pressionado desde que a internet alterou modelos de assinatura e publicidade. Ela fez um questionamento importante: “Agentes e os chatbots buscam informações em tempo real na imprensa, inclusive sem o pagamento, passando por paywall, ou seja, conteúdos que eram exclusivos para assinantes, são oferecidos de forma gratuita. Como que você remunera isso?”.

Juliana lembrou que processos judiciais já se multiplicam, inclusive no Brasil (o mais recente por aqui foi da Folha de S.Paulo contra a OpenAI), em busca de um equilíbrio entre empresas de tecnologia e veículos de mídia. Outra preocupação central é a privacidade dos usuários, já que agentes autônomos precisam de acesso a e-mails, aplicativos e serviços pessoais para executar ações: “tem uma questão de dados e privacidade que eu acho bastante relevante para o usuário, como que essas empresas vão lidar com essas informações sensíveis”.

A jornalista também destacou o risco de empobrecimento informacional. Com veículos bloqueando o acesso de robôs a seus conteúdos, agentes podem recorrer a fontes não confiáveis ou até sintéticas, reduzindo a qualidade das informações. E chamou atenção para a concentração de poder, uma vez que hoje o futuro da web está sendo definido por algumas poucas empresas privadas e esta questão deveria estar também no radar regulatório e democrático.

Direito à realidade

O conceito de “direito à realidade” foi apresentado por Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, um conceito que vai além da transparência sobre conteúdos sintéticos. Para ele, é fundamental garantir que usuários saibam distinguir o que é produzido por IA e o que é fruto da experiência humana, inclusive em conteúdos simples, como fotografias: “tão importante quanto eu dar transparência ao conteúdo gerado por IA, será dar transparência a conteúdos que não foram gerados por IA”.

Saron também chamou atenção para o impacto subjetivo da tecnologia. Pesquisas recentes apontam que adolescentes confiam mais em inteligências artificiais do que em pessoas para falar sobre intimidade, o que ele relaciona a uma “desigualdade sintética” em expansão. Exemplos como a formação 100% virtual de professores, segundo ele, ilustram riscos de um afastamento da experiência presencial na educação.

Dentre as competências humanas, ele destacou quatro como essenciais para enfrentar esse cenário: pensamento crítico, pensamento analítico, criatividade e adaptabilidade. Sem essas habilidades, o risco é de que a hiperpersonalização dos agentes se transforme em hiperindução, limitando escolhas humanas em vez de ampliá-las. Para Saron, o desafio não é apenas técnico ou regulatório, mas ontológico: “a gente nunca discutiu tanto o que é consciência ou o que é razão, o que é dignidade humana, como nós temos discutidos hoje em dia. E esse campo ontológico a gente precisa observar inclusive no tempo de inteligência artificial”.

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