
Por Felipe Testolini*
Com a intensificação das guerras e as instabilidades globais, o cenário dos investimentos internacionais está mudando rapidamente. Países antes considerados secundários começam a ganhar relevância como destinos mais seguros para aportes financeiros. Nesse contexto, o Brasil e a Austrália despontam como alternativas interessantes para investidores que buscam estabilidade relativa e vantagens competitivas em setores estratégicos.
De acordo com o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil destacou-se como o segundo maior receptor de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) em 2023, atraindo US$ 64 bilhões ao longo do ano. Esse montante ficou atrás apenas dos Estados Unidos, que receberam US$ 341 bilhões. O nosso país apresenta características particulares que o tornam um destino atraente para investimentos, como um sistema bancário altamente digitalizado, que facilita transações, pagamentos e acesso a crédito, além da crescente maturidade do ecossistema de startups, com hubs tecnológicos em expansão. Áreas como soluções para o setor financeiro, e-commerce, varejo e logística demonstram capacidade de inovação e adaptação ao mercado global. Além disso, a moeda brasileira está desvalorizada, o que pode favorecer a entrada de capital estrangeiro, especialmente diante de um cenário interno que, embora complexo, apresenta relativa estabilidade política e econômica quando comparada a outras regiões.
Entretanto, é fundamental reconhecer os limites estruturais do país. A fabricação de semicondutores, por exemplo, que exige grande escala e uma cadeia produtiva robusta, não é um segmento no qual o Brasil atualmente tem condições competitivas. Investir nesse setor implicaria em altos custos e baixa eficiência, frente a players globais já consolidados.
O maior desafio do Brasil não está na infraestrutura física, que pode ser superada com investimentos, mas sim na capacitação do capital humano e na falta de coordenação estratégica entre iniciativas dispersas. Até o final de 2025, o país deve formar cerca de 53 mil profissionais de tecnologia, enquanto a demanda é de aproximadamente 800 mil, segundo relatório da Abstartups e da Brasscom. Esse déficit expressivo de mão de obra qualificada pode limitar o crescimento e a competitividade do setor. Embora programas isolados, como o Brasil Digital, apresentem avanços pontuais, ainda é necessária uma estratégia integrada que una governo, setor privado e academia para formar, reter e qualificar profissionais em escala, garantindo que o Brasil acompanhe a rápida evolução tecnológica global.
A inteligência artificial, por exemplo, é uma área de enorme potencial, mas o Brasil precisa formar e treinar profissionais imediatamente para não ficar para trás na corrida tecnológica global. Segundo relatório da BCG, o país ocupa a última posição global na capacitação em IA, com apenas 20% dos colaboradores treinados para utilizar a ferramenta no ambiente corporativo. O interesse pela tecnologia cresce, mas os polos de inovação do país — São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Recife — ainda funcionam isoladamente, com pouca comunicação e sinergia entre eles.
Para que esse potencial se transforme em liderança concreta, é preciso encarar de frente os desafios estruturais. As soluções tecnológicas nascem localmente e podem ter alcance global, mas o Brasil ainda carece de um planejamento estratégico consistente e de longo prazo. Durante a pandemia, por exemplo, o país perdeu a chance de descentralizar cadeias de suprimentos, uma oportunidade que agora ressurge com a COP30, mas que corre o risco de ser desperdiçada novamente, especialmente nos debates sobre biotecnologia e medicamentos envolvendo a Amazônia.
O maior obstáculo para o avanço do Brasil como protagonista tecnológico global não é a ausência de capacidade, mas sim de continuidade. Projetos estratégicos mudam a cada governo, muitas vezes guiados mais por disputas de poder do que por um compromisso com o desenvolvimento sustentável da nação.
Ainda assim, o cenário internacional atual, somado às nossas vantagens estratégicas, oferece uma rara janela de oportunidade. Se quisermos que o Brasil decole de fato no cenário global de tecnologia e inovação, é urgente construir um movimento coeso e duradouro, que una esforços públicos e privados para formar talentos, articular regiões e setores, e estabelecer uma política de Estado que vá além dos ciclos eleitorais. O momento de agir é agora.
*Felipe Testolini é administrador com pós-graduação em Tecnologia da Informação e MBA em Negócios Digitais pela USP, além de especializações no MIT Sloan e na Singularity University. Com mais de 24 anos de experiência, já atuou como CIO na Sonda e como CEO na Sigmais. Atualmente, é Vice-Presidente do Grupo Ivy, holding nacional com foco em soluções tecnológicas.






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