Silvio Cascione no ABES Summit 2025
Silvio Cascione no ABES Summit 2025

A tecnologia vem redesenhando a geopolítica global e as fronteiras do poder no mundo, com uma disputa tecnólogica acirrada entre as maiores potências para se manterem relevantes. Esse foi o tom da abertura do ABES Summit 2025.

Com a nova ordem geopolítica, estamos vivendo em um cenário de “mundo G0”, sem lideranças globais capazes de coordenar respostas conjuntas a crises como o clima, a digitalização e a segurança cibernética, destacou Silvio Cascione, Diretor Brasil do Eurasia Group. Nesse contexto, o poder político e econômico migra para o setor privado, impulsionado pela ascensão das Big Techs. “As tecnologias estão em uma evolução extremamente acelerada e com o papel do setor privado muito mais importante do que em outros ciclos do passado, não só do ponto de vista econômico, mas político, de poder. Empresas tem hoje poderes sobre temas que há séculos são monopólio estatal. Ou eram”, afirmou, citando o papel de Elon Musk e da Starlink na guerra da Ucrânia.

A “tecnopolaridade”, conceito apresentado por Cascione, descreve esse equilíbrio instável entre Estados e corporações em torno de tecnologias críticas (como chips e minerais raros) que definem a nova infraestrutura global. Ele destacou que a disputa entre Estados Unidos e China não se trata de uma nova Guerra Fria, mas de uma rivalidade interdependente, em que ambos buscam pontos de pressão (“chokepoints”) para conter o avanço do outro, especialmente no campo tecnológico.

Para o Brasil, o quadro representa desafios e oportunidades. O país ainda sofre com escassez de mão de obra qualificada em ciência e tecnologia, juros elevados e baixa atração de talentos estrangeiros. Em contrapartida, possui vantagens competitivas relevantes, como a energia limpa, biodiversidade, minerais estratégicos e um mercado digital robusto.

“O mundo digital vive uma dinâmica que a gente não tem uma clareza para onde vai, porque é um contexto geopolítico fragmentado e com ‘placas’ em movimento. Mas que vai render muitas oportunidades para as empresas que souberem aproveitar esse impulso de difusão tecnológica dos chips e das soluções digitais”, concluiu Cascione, defendendo uma estratégia que combine parcerias globais e fortalecimento interno da capacidade tecnológica como caminho para o protagonismo brasileiro.

Disputa global por dados

Maria Veloso, Leonardo Barreto, Alberto Pfeifer e Daniel Parente no ABES Summit 2025
Maria Veloso, Leonardo Barreto, Alberto Pfeifer e Daniel Parente no ABES Summit 2025

A consolidação de uma nova ordem tecnopolar, em que dados, energia e inteligência artificial se tornam vetores de poder global, exige do Brasil uma estratégia clara de posicionamento. Durante painel sobre o novo equilíbrio global, a CEO da Olusac, Maria Mazzarello Veloso, abriu o debate questionando se o país compreendeu a dimensão da disputa atual de que quem governa dados, energia e hiperinteligências redesenha o planeta, e o Brasil ainda precisa redesenhar o seu lugar.

Para Maria, a competição global ultrapassa o campo tecnológico e atinge o controle das infraestruturas, como fluxos energéticos, digitais e ecológicos que sustentam o novo metabolismo econômico e ambiental. Ela coloca sua visão de que “a gente deixa de ter disputa de território físico e passa a ter governança de infraestrutura. A nossa disputa hoje é por infraestrutura. E essa nova camada de poder é uma geo infraestrutura, além da questão do G0, não é só o mundo sem líderes, é um mundo sem árbitro comum”.

Em sua fala sobre formulação de políticas digitais, Leonardo Barreto, sócio da consultoria Think Policy e consultor na Vector, reforçou que o país vive um vácuo cognitivo. “A sensação que eu tenho não é que a gente vai perder o bonde, esse bonde já passou” afirmou, referindo-se à necessidade de articulação diplomática e setorial para integrar o país às cadeias tecnológicas globais e como transitar nessas esferas de influência.

“Quando a gente está falando de uma geopolítica da inteligência artificial, a questão é quem vai controlar a inteligência”, pontuou Barreto sobre as políticas e estratégias de digitalização. Para ele, estamos em um momento de criar as categorias para que possamos ter a compreensão desses processos pelos quais a gente está passando.

Déficit tecnológico e diplomacia digital

Já Alberto Pfeifer, Senior Policy Fellow em Geopolítica, Estratégia e Segurança Internacional no Insper Agro Global, destacou o déficit brasileiro em serviços que soma cerca de US$ 200 bilhões em cinco anos. Desse valor cerca de 1/4 é na indústria de tecnologia e telecomunicações. Pfeifer defendeu medidas para aumentar a autonomia nacional e suplementar a deficiência de profissionais capacitados para diminuir a dependência tecnológica. Ele foi enfático: “vamos precisar importar engenheiros se a gente quiser se internacionalizar, entrar nos fluxos de serviços tecnológicos de ponta, de última geração. Não dá tempo de preparar uma geração de engenheiros para alcançar essa corrida, na qual nós já estamos muito atrasados”.

A soberania digital vem se tornando uma dimensão de poder nacional e Daniel Parente, Coordenador de Transformação Digital na Apex-Brasil, ressaltou que o país deve se consolidar como fornecedor de soluções digitais, e não apenas consumidor. Segundo Parente, a diplomacia digital e a internacionalização de empresas de software são essenciais para ampliar a presença brasileira em mercados estratégicos, especialmente em países com afinidade cultural. Integrar a transição digital com políticas industriais e tecnológicas pode ser o diferencial que definirá o papel do Brasil na nova geoeconomia.

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