Por Carlos Martins*

A experiência dentro da Fenasucro & Fenabio deste ano, em Sertãozinho, envolveu encontros, painéis e conversas que reforçam uma convicção que carrego muito forte comigo: o futuro da energia passa, inevitavelmente, pela bioenergia. Porém, dentro dela, existe um “gigante invisível” que precisamos trazer para o centro da discussão: a energia térmica.

Quando falamos da matriz energética brasileira, celebramos (com razão) o fato de sermos cerca de 90% renováveis. Mas essa média esconde realidades muito distintas. Se olharmos apenas para a energia usada pela indústria para gerar calor e vapor, que é o que move processos de cozimento, secagem, fundição, pasteurização, destilação, entre outros, a presença de fontes renováveis cai para cerca de 45%.

É nesse ponto que se concentra um dos maiores desafios e oportunidades da transição energética. Afinal, a energia térmica responde por metade das emissões industriais brasileiras, o que equivale a mais de 150 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Para se ter uma ideia, em apenas um ano, a energia térmica fóssil da indústria emite o equivalente a mais de 10 anos de emissões da cidade de São Paulo. Colocando assim em perspectiva, o tema se torna ainda mais urgente.

Esse impacto fica ainda mais claro quando olhamos para a conta de carbono dos combustíveis fósseis. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cada gigajoule gerado a partir de óleo BPF emite 77 kg de CO₂. No gás natural, são 56 kg. Já a biomassa, considerada neutra, zera essa conta. Ou seja: substituir o óleo BPF por biomassa significa eliminar 77 kg de CO₂ por gigajoule. Em uma planta industrial média, isso representa dezenas de milhares de toneladas de CO₂ evitadas a cada ano.

E por que isso importa agora? Porque a nova NDC brasileira — o compromisso oficial do país no Acordo de Paris para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa — apresentada em 2024, prevê cortar entre 59% e 67% das emissões até 2035 e alcançar o net zero até 2050. Essas metas simplesmente não serão atingidas se não dermos visibilidade à transição térmica.

A boa notícia é que o Brasil tem vantagens competitivas únicas: abundância de biomassa sustentável, infraestrutura logística e tecnológica já disponível, além de modelos de negócio que tornam essa transição acessível e competitiva. Hoje já é possível comprovar o impacto positivo da substituição de combustíveis fósseis por biomassa rastreada e auditada. Em 2024, por exemplo, a ComBio evitou mais de 665 mil toneladas de CO₂, o equivalente às emissões da cidade de São Paulo em 17 dias.

Foi exatamente sobre isso que tratei no painel Perspectivas para a Bioeletricidade, na Fenabio, e em diálogos com clientes, parceiros e jornalistas. A mensagem é simples: não há como descarbonizar a indústria sem olhar para o calor. A energia térmica representa metade do problema — e, portanto, metade da solução.

Temos biomassa. Temos tecnologia. Temos mercado. O desafio agora é dar prioridade a esse tema nas políticas públicas, nos investimentos e nas decisões industriais. Só assim o Brasil poderá consolidar sua posição como potência verde global, de forma competitiva e sustentável.

Transformar o “gigante invisível” em protagonista da transição energética não é apenas uma oportunidade, é uma necessidade.

* Carlos Martins é COO da ComBioindustrial

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