
A segurança psicológica nunca foi tão crucial. Em um mundo que ainda se recupera de crises globais e enfrenta a ansiedade gerada por novas revoluções tecnológicas, como a Inteligência Artificial, a necessidade de um espaço seguro no trabalho é evidente. A discussão sobre o tema reflete uma dura realidade: cerca de 70% dos colaboradores entendem não haver ambientes psicologicamente seguros em suas organizações. O dado assusta e pede uma discussão mais aprofundada, já que, em ambientes inseguros, as pessoas costumam ficar em silêncio, opinar menos, discordar menos, o que prejudica demais processos de inovação.
Para quebrar essa barreira, precisamos reconhecer que a segurança não reside apenas na lógica ou em políticas formais, mas sim em nosso corpo. Quando nos sentimos inseguros, nosso sistema reage: o coração acelera e o corpo manifesta sinais que nos levam à conformidade e ao silêncio. O cérebro utiliza as informações de nossos sentidos internos para prever o risco. Se as experiências passadas foram de punição ou rejeição ao falar, a reação corporal será de retração, impedindo a emergência daquela cultura de aprendizado que celebra a discordância.
Dessa forma, a construção de um ambiente psicologicamente seguro passa, fundamentalmente, por um trabalho de vulnerabilidade e comunicação da liderança e das equipes. A chave é a habilidade de nomear as emoções com especificidade. Comunicar que nos sentimos “desapontados” ou “incertos” abre um diálogo produtivo e permite que os colegas ajudem a restaurar a sensação de segurança, ao invés de apenas dizer que nos sentimos “mal”. Ao criarmos esse espaço, construímos o relacionamento e a confiança necessários para que as pessoas atinjam o ápice da experiência e impulsionem a verdadeira inovação.
O assunto foi parte de um workshop conduzido por Eliza Hochman, diretora de experiência de aprendizagem da World of Insights, em um dos eventos paralelos do Slush 2025. A especialista levou a audiência a navegar por diferentes emoções ao sugerir desafios cotidianos que enfrentamos nas empresas e como seria a melhor forma de reagir ou acolher, sobretudo, pensando em ambientes de alta pressão, como os de tecnologia. A seguir, você confere algumas perguntas feitas à Eliza ao final do workshop.
Vitor Cavalcanti – Por que as pessoas estão falando tanto sobre segurança psicológica? Eu sei que o tópico está por aí há muitos anos, mas sinto, especialmente no Brasil, que as pessoas estão fortemente investindo nisso. Por quê?
Eliza Hochman – Essa é uma boa pergunta e vou te dar apenas a minha visão das coisas. Eu acho que ainda estamos saindo de uma crise mundial, que foi a pandemia. E todos nós nos sentimos inseguros. Inseguros fisicamente. Muitas pessoas morreram, nós nos sentimos inseguros em tantos níveis (relacionamentos pessoais, trabalho, saúde).
Eu acho, então, que ainda estamos nos recuperando disso. E, de alguma forma, levou esses anos desde o fim da pandemia para nós reconhecermos, porque não estamos em um estado de segurança, sabe, não deveríamos nos sentirmos inseguros. E, no entanto, sentimos. E estamos tentando descobrir. Essa é a minha visão. Agora, nas organizações, pode haver outros fatores também. A IA chegando, o ritmo de mudança, etc.
Problema da IA
VC – Você vê alguma relação geracional nisso? Porque, não sei, eu vejo, especialmente nas organizações, as pessoas dizendo: “a nova geração é fraca,” ou “eles estão se sentindo sozinhos.” Existe algum conflito de gerações que impulsionou a discussão?
EH – Acredito que exista uma diferença na forma como nos relacionamos com o bem-estar mental. Eu acho que as pessoas mais jovens são mais abertas sobre como se sentem. Elas sabem mais sobre saúde mental. Elas querem ser vistas em toda a sua complexidade. Como antes, a geração mais velha, aprendemos que deveríamos guardar as emoções em casa; vá para o trabalho, seja lógico e às vezes você pode explodir e ir chorar no banheiro, mas não faz parte da vida cotidiana. Então, essa é definitivamente uma grande diferença.
VC – Você mencionou IA e essa tecnologia está gerando muita ansiedade, não apenas para profissionais de TI, mas também para RH, para finanças. Por que há tanta ansiedade nisso? Como sociedade, vimos muitas tecnologias ao longo dos anos, ao longo da história e a IA é mais uma. Por que você vê tanto incômodo nisso? As pessoas têm medo de perder seus empregos, ou é medo do desconhecido, ou do que esperar da tecnologia?
EH – Entendo que existem muitos aspectos, mas eu acho que o que é tão assustador, se posso usar essa palavra, sobre a IA é que ela é tão humana. É tão próxima. Quer dizer, eu sei que eu uso às vezes, se eu recebo até um e-mail pessoal e não tenho certeza de como entender, eu pergunto a ela para me ajudar a entender. Às vezes eu tenho algumas emoções e ela pode realmente ajudar. Ela é estranhamente próxima ao ser humano, mas tão falha, tão errada às vezes, tão preconceituosa, tão não compreensiva, e, no final, não é humana. Então, para nosso cérebro, é uma coisa completamente nova. Assim como outras transformações, até a internet ou o que for, nós podemos entender isso. Mas a IA é outra coisa, e eu acho que é porque é tão próxima da nossa humanidade, e, ao mesmo tempo, tão longe.
Dicas para CEOs
VC – Eu acompanho profissionais de tecnologia há 17 anos e tenho visto muitos casos de estresse, burnout. Não sei se tem relação com pressão por inovar ou qualquer outra coisa. Não sei se você acompanha esse tipo de situação, mas queria saber se tem muita diferença entre trabalhar o tema com profissionais de TI em relação ao de outras áreas?
EH – Eu não analisei isso e não tenho experiência suficiente sobre essa questão específica dos departamentos de TI. Eu só posso imaginar que eles estão na linha de frente dessa revolução. Sobre pressão, ela está em todo lugar. Se olharmos os jovens que estão saindo da universidade e não encontrando empregos. Ou mesmo nas empresas de consultoria, todos os empregos de primeiro nível para os quais as pessoas costumavam vir, analistas e tudo mais, desapareceram. Então, para os jovens e trabalhadores do conhecimento, o salto entre os estudos para entender realmente onde você pode agregar valor mais do que a IA é um passo enorme. Então, eles têm ansiedade, com certeza.
VC – Se você tivesse que dar algumas dicas para um CEO ou qualquer liderança implementar o plano de segurança psicológica, qual seria a maneira mais fácil de começar na empresa?
EH – Eu diria: pratique o que prega e entre em contato consigo mesmo, com o que você está sentindo e percebendo, e claro, isso também é o corpo. Então, como você fala, como você coloca sua voz. E claro, você não pode fingir. Mas quando você se sente seguro, sua voz tende a ser um pouco mais baixa. Nós captamos as emoções uns dos outros sem nem perceber. Então, tornar-se autoconsciente.
E se você se sentir ansioso ou incerto, tudo bem, permita-se sentir. E traga isso para os outros. Se você disser que se sente inseguro e um dos membros da sua equipe for tentar tranquilizá-lo, você pode dizer: “Você não precisa me tranquilizar. Estou bem sentindo-me inseguro”. Está tudo bem, porque eu não sei de tudo. E no momento, essa incerteza é uma experiência real para mim. E podemos argumentar, tipo, não precisamos, você não precisa me fazer sentir melhor. E isso não são apenas CEOs, mas todo mundo.






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