Paula Cristina Menezes, Graziela Castello e Regina de Assis, durante evento do Cetic.br

O uso de IA generativa nas escolas já é intenso e múltiplo, com 70% dos alunos utilizam IA para atividades escolares e cerca de 58% dos professores o fazem para preparação de conteúdos didáticos. Apesar de ter consciência da presença massiva da tecnologia, apenas 32% dos alunos relatam ter conversado com professores sobre como usar IA em atividades escolares. Aqueles que estudam em escolas públicas relatam que há uma ausência de debates sobre o tema e mesmo nas escolas privadas, palestras ou atividades ainda são em pequeno número.

Os dados são do estudo “Inteligência Artificial na Educação: usos, oportunidades e riscos no cenário brasileiro“, que traça um panorama sobre o uso de IA por estudantes do ensino médio em escolas públicas e privadas. Realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), a pesquisa mostra a velocidade com que estudantes e professores estão adotando ferramentas de IA e a lentidão das escolas em oferecer orientação adequada.

Graziela Castello, Coordenadora de Estudos Setoriais do NIC.br, observa que os estudantes demonstram conhecimento superficial sobre como a tecnologia funciona. Reconhecem bancos de dados, sistemas de processamento e citam uma grande variedade de ferramentas, mas acreditam que a inteligência artificial se constrói na interação com eles. Graziela destaca que “para os alunos a IA vai se construindo na medida que eles vão interagindo, o que é meia verdade. Mas é o que eles entendem e tem preocupação com isso; e acham também que isso faz com que eles tenham algum controle sobre a ferramenta”.

A pesquisa faz uma importante revelação sobre dependência da IA, uma vez que os estudantes relatam que fazem uso pessoal o tempo inteiro para qualquer coisa, inclusive para suporte emocional. O estudo mostra um trecho da fala de uma estudante que explicita sua relação profunda com a IA: “o chat sabe absolutamente tudo de mim. Se eu chegar e falar: ‘chat, eu estou triste’, ele já sabe. Eu o uso para a vida, para qualquer coisa”.

IA no cotidiano dos alunos

Nos usos educacionais, os estudantes distinguem entre aplicações pontuais e positivas (resumos, revisões e apoio à escrita) e aquelas que geram dependência, como pedir textos completos, trabalhos prontos ou soluções integrais de atividades. Graziela aponta que “na visão dos estudantes, tem um pacto silencioso, que os professores fingem que eles não o sabem e que eles fingem que não usam”. Ironicamente, os alunos apontaram que o grande desafio com IA é como estabelecer rotinas para evitar a detecção que o conteúdo foi produzido pela tecnologia, e desenvolvem estratégias próprias para humanizar textos gerados por IA.

Graziela Castello, Coordenadora de Estudos Setoriais do NIC.br

A parte mais sensível da pesquisa, reforçou Graziela, é o peso do medo entre os jovens. Eles citam riscos ligados à perda de autonomia intelectual, dependência tecnológica, aprendizagem superficial, privacidade, confiabilidade das respostas e impactos sociais mais amplos, especialmente o desemprego. Quando convidados a definir o futuro com IA em uma palavra, os termos mais frequentes foram “medo” e “perigo”, porém em escolas privadas também surgiu “evolução”.

No contraste entre redes, o estudo indica que escolas privadas adotam uma postura mais aberta, e os alunos interpretam o uso de IA como uma permissão indireta com algum nível de supervisão e orientação. Já nas escolas públicas predomina a crítica e a percepção é de que os professores entendem que a ia pode “emburrecer” os alunos, que acabam fazendo um uso clandestino das ferramentas.

Professores entre cautela e experimentação

O ponto de vista dos professores é marcado por preocupação. Eles percebem a IA como ferramenta para colar, simular autoria e substituir vínculos emocionais, além de temerem impactos sobre pensamento crítico e profundidade de aprendizado. Graziela explica que os docentes “acham que ela traz esse aprendizado mais superficial, que os alunos tem uma confiança cega nas respostas sem verificação, não checam fontes. Mas os professores falam bastante dessa mediação e do papel da escola, eles sabem que é fundamental que precisa ser feito, mas eles também querem entender esse caminho”.

A professora da UFRJ e consultora do Ministério da Educação, Paula Cristina Menezes, destacou que a pesquisa é crucial para compreender como professores e estudantes estão vivenciando a IA em meio a mudanças muito aceleradas. Falando também como docente, ela relatou experiências em que o tema desperta forte engajamento entre jovens, com debates sobre ética, impactos ambientais, tomada de decisão e pensamento científico.

Ao comentar as percepções de professores, Paula reforçou que o medo não é o único sentimento presente: há empolgação, experimentação e dúvidas legítimas sobre como usar a IA de forma responsável. Ela lembrou que o Ministério da Educação já trabalha em diretrizes e referenciais como a resolução sobre educação digital e midiática, o BNCC da computação e o referencial de saberes digitais. Ainda assim, defendeu que essa construção precisa escutar quem está na ponta, pois a dependência de sistemas externos, a continuidade pedagógica e a autonomia docente são pontos sensíveis que exigem atenção e debate estruturado.

No encerramento da apresentação, Regina de Assis, conselheira do Núcleo de Especialistas do NIC.br, trouxe sua visão de que a IA é uma nova linguagem em funcionamento e que estamos buscando conhecimento para entender para que ela serve. Regina concluiu com uma reflexão provocativa: “as linguagens são usadas por nós para criar conhecimentos e valores éticos, políticos e estéticos. Porque educar e viver é saber trabalhar com a ética, sem o que a gente não vai para diante. Ninguém educa ou transforma um país em uma situação sem beleza, sem alegria, sem prazer, sem a capacidade de criar”.

A publicação completa do estudo pode ser vista neste link.

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