O agro brasileiro pode liderar soluções climáticas com impacto e rentabilidade

O papel do agronegócio como solução climática foi tema no último dia da São Paulo Climate Week 2025. Discussões de como práticas agrícolas sustentáveis podem gerar impacto ambiental positivo e valor econômico na cadeia produtiva trouxeram cases e conversas que aprofundaram o tema.

Da descarbonização da cadeia pecuária (setor estratégico da nossa economia e também um dos maiores emissores de gases de efeito estufa) à importância da citricultura na captura de carbono, ficou claro o papel do agronegócio na agenda de sustentabilidade.

Soluções baseadas na natureza

O agro já carrega práticas alinhadas à agenda de carbono, que vão desde o cuidado com o solo e a água à implementação de agroflorestas e bioinsumos, explicou Soraya Pires, Diretora de Operações e Novos Negócios da Ambipar. Segundo ela, o Brasil possui mais de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial produtivo e climático, porém o desafio está em transformar custo em valor e quebrar barreiras culturais para adotar contratos e práticas de longo prazo.

Soraya apontou que a demanda por créditos de carbono no mercado internacional cresce em volume e em exigência de qualidade, impulsionada por legislações como as dos Emirados Árabes e da Califórnia. Neste aspecto, o Brasil pode oferecer um produto que agregue impacto climático, biodiversidade e valor social.

Já Clauber Andrade, Chief Legal and Corporate Affairs Officer da Citrosuco, enfatizou que a citricultura tem capacidade de sequestrar de três a quatro vezes mais carbono que outras culturas, segundo estudo da Fundecitrus e Embrapa. Para o executivo, o setor enfrenta barreiras institucionais e de metodologias, ainda moldadas para florestas nativas, e precisa de maior reconhecimento das práticas do agro. “Quando a gente lança mão de um pomar novo, a gente está falando de um casamento que a gente tem com aquele pomar de 20 anos”, disse.

A citricultura brasileira responde por 75% das exportações globais de suco de laranja, e a Citrosuco tem expandido seus pomares para novos ecossistemas, como o Cerrado, exigindo diálogo com comunidades e adaptação de práticas. Entre os projetos destacam-se o Brazilian Citrus Program for Climate Adaptation em parceria com o Itaú, e o PSA para fazendas em São Paulo, com foco na integridade e rastreabilidade. A Citrosuco tem certificação sustentável de 70% da cadeia produtiva, e vê as parcerias como essenciais.

Pecuária de baixo carbono

Marie Tarrisse, líder de Sustentabilidade da Arcos Dourados, destacou que a rede, maior operadora do McDonald’s na América Latina, adota políticas próprias de compra de carne livre de desmatamento, cobrindo Brasil, Argentina, Paraguai e Austrália. O monitoramento envolve satélites, auditorias e cruzamento de dados públicos, garantindo que fornecedores estejam fora de áreas embargadas, terras indígenas e unidades de conservação. Hoje, 100% da carne usada é rastreada, com mais de 8 mil fazendas monitoradas.

A complexidade da tarefa é confirmada por Paulo Pianez, diretor global de Sustentabilidade da Marfrig: 2,5 milhões de propriedades no Brasil atuam na pecuária de corte, a maioria de pequeno porte e com baixo acesso a tecnologia e crédito. A empresa, fornecedora exclusiva da Arcos Dourados, monitora diariamente 26 milhões de hectares (área equivalente ao estado de São Paulo) e mantém compromisso de desmatamento zero, legal ou ilegal. Pianez defendeu a urgência de uma política pública nacional de rastreabilidade individual, citando exemplos como Uruguai e Austrália.

A pressão externa também entra no radar. A regulação europeia EUDR, que proíbe a importação de commodities ligadas ao desmatamento, já é atendida pela Marfrig, mas pode exigir ajustes amplos do setor. China e outros mercados sinalizam exigências semelhantes, reforçando a tendência global.

Ambos concordam que a sustentabilidade só avança com corresponsabilidade. No caso da Arcos Dourados, 97% das emissões estão no Escopo 3, e 80% vêm da carne. Já na Marfrig, mais de 90% das emissões também estão no campo. Por isso, investir em manejo de pasto, genética, integração lavoura-pecuária-floresta e suplementação alimentar é visto como caminho para reduzir impactos e aumentar a rentabilidade do produtor.

Os próximos passos envolvem padronizar metodologias de carbono, ampliar treinamentos na base produtiva e destravar o financiamento da transição. “Sem incentivo e simetria de critérios, não haverá escala”, afirmou Pianez. Para Marie, o desafio é também comunicar ao consumidor, que enxerga o desmatamento zero como obrigação mínima, sem conhecer o esforço e investimento necessários.

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