
Por Roberta Tipoloni Tiso*
No calor insuportável de um verão escaldante, o ar-condicionado parece uma dádiva. Mas, como Jeff Goodell argumenta em seu livro “The Heat Will Kill You First“, essa invenção revolucionária também tem um custo oculto — um ciclo vicioso onde dependemos cada vez mais de uma tecnologia que, ironicamente, piora o problema que tenta resolver.
A história do ar-condicionado começa com Willis Carrier, que, em 1902, criou um sistema para controlar a umidade e a temperatura do ar em uma gráfica de Nova York. Sua invenção transformou a forma como vivemos, permitindo o crescimento de cidades em regiões antes inóspitas e impulsionando a produtividade no trabalho. Mas há um detalhe muitas vezes ignorado: essa solução depende de uma quantidade massiva de energia. Hoje, em algumas partes do mundo, o ar-condicionado não é apenas uma comodidade — é uma questão de sobrevivência.
Agora, pense nos data centers. Se o calor extremo já desafia nossas casas e escritórios, imagine o impacto sobre infraestruturas críticas que processam cargas de trabalho intensivas, armazenam grandes volumes de dados e sustentam operações bancárias, sistemas hospitalares, redes corporativas e, até mesmo, a gestão de cidades inteiras. Os servidores operam dentro de faixas térmicas específicas e, quando expostos a temperaturas elevadas, podem ter sua eficiência reduzida, aumentando o risco de falhas. Equipamentos de refrigeração mais antigos, maiores e menos eficientes no consumo energético não apenas elevam significativamente os custos operacionais, mas também aumentam exponencialmente o risco de downtime. E, à medida que o mundo se aquece, o que antes era um desafio técnico torna-se um problema cada vez mais crítico.
O impacto? Um aumento exponencial no consumo de eletricidade para resfriamento. Em um mundo onde eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes, o risco de sobrecarga nos sistemas energéticos cresce, tornando os data centers vulneráveis a apagões e interrupções.
No Brasil, os sinais de alerta já são claros. O Rio de Janeiro atingiu recentemente o nível de calor 4, o mais alto da escala histórica, e a sensação térmica em alguns estados tem atingido marcas recordes, chegando a 58°C em algumas regiões, um nível perigoso para a saúde humana. Para colocar isso em perspectiva, o corpo humano começa a entrar em colapso a partir dos 42°C de temperatura interna, e a exposição prolongada ao calor extremo pode ser fatal em questão de horas. Durante a peregrinação para Meca em junho de 2024, uma onda de calor extremo resultou em temperaturas superiores a 50°C, causando a morte de mais de 1.200 peregrinos, com uma sensação térmica que tornou a sobrevivência quase impossível para muitos. Enquanto cidades tentam se adaptar, ambientes de missão crítica precisam de estratégias resilientes para mitigar riscos.
O paradoxo do ar-condicionado também afeta os data centers: enquanto resfriamos para garantir sua operação, o consumo energético dos sistemas de refrigeração contribui para o aumento da demanda por eletricidade, ampliando o desafio da eficiência térmica. Como Goodell alerta em seu livro, estamos presos em uma armadilha térmica que se intensifica à medida que as temperaturas aumentam.
Então, como quebramos esse ciclo? A resposta não está apenas em resfriar melhor. O primeiro passo é assegurar uma gestão eficiente da infraestrutura crítica, com monitoramento contínuo, manutenção preventiva e conformidade com as melhores práticas operacionais.
Em seguida, a realização de um thermal assessment é essencial para identificar pontos de ineficiência e riscos térmicos. Duas ferramentas importantes nesse processo são o CFD Analysis (Computational Fluid Dynamics), que utiliza simulações computacionais para mapear e otimizar fluxos térmicos dentro do data center, e o Thermal Risk Assessment, que avalia os riscos térmicos e sua relação com a resiliência da infraestrutura crítica, permitindo a adoção de medidas preventivas mais eficazes.
Se você está planejando a implementação de um novo data center, o primeiro passo essencial é realizar um mapeamento dos riscos da região. Isso inclui variações climáticas extremas, disponibilidade energética, infraestrutura de conectividade e ameaças naturais, como enchentes e tempestades severas. Sem essa análise, a localização errada pode resultar em vulnerabilidades intransponíveis, tornando o data center inviável a longo prazo.
Após essa avaliação, a escolha da melhor estratégia de resfriamento se torna mais precisa. Tecnologias como resfriamento líquido direto, que circula um líquido refrigerante diretamente sobre componentes críticos; free cooling, que aproveita o ar ambiente para reduzir a dependência de sistemas mecânicos de refrigeração; e controle dinâmico de cargas térmicas, que ajusta automaticamente a distribuição do calor em tempo real, são soluções fundamentais. Além disso, sistemas como DCIM (Data Center Infrastructure Management) desempenham um papel essencial na gestão térmica, permitindo monitoramento contínuo e otimização do consumo energético.
A revolução digital só será sustentável no século XXI se garantirmos que sua espinha dorsal — os data centers — continue resiliente e future-proof. Isso dependerá da nossa capacidade de inovar e integrar soluções sustentáveis, garantindo que essas infraestruturas de missão crítica continuem operando com eficiência, independentemente das mudanças climáticas.
Afinal, o ar-condicionado moldou o mundo moderno, mas agora cabe a nós decidirmos se ele continuará sendo um alívio ou um amplificador de crises.
*Roberta Cipoloni Tiso é Diretora de Sustentabilidade e Comunicação da Green4T, coordena o Grupo de Desenvolvimento Sustentável da Associação Internacional de Transporte Público (UITP, da sigla em inglês) e é Advisory Board da Neo Mondo. Tem formação em Marketing, Gestão Estratégica e Econômica, é pós-graduada em Finanças e possui o título de Chief Sustainability Officer pelo MIT.
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