
O mundo da tecnologia viveu um frisson em torno do modelo de inteligência artificial chinês Deepseek. O motivo não poderia ser mais óbvio: o grupo foi capaz de desenvolver uma IA com menor custo, sem processadores de ponta e com desempenho igual ou superior aos norte-americanos. A resposta do mercado veio com desvalorização histórica das ações da Nvidia, além de queda nos papéis de Oracle, Alphabet (controladora do Google) e Microsoft. E o que isso tem a ver com o Coletivo Tech? Explicamos logo abaixo.
Ainda que os impactos concretos de inteligência artificial na sociedade não possam ser calculados com precisão (seja quantidade de emprego tirado ou gerado ou mesmo sua real entrega no dia a dia), entende-se que será algo cada vez mais transformador, sobretudo, quando combinado com outras tecnologias emergentes. Isso faz com que muitas instituições mundo afora já encarem IA como um grande desafio da sociedade, ao lado de questões como saúde, educação, segurança alimentar, clima, entre outros.
No caso do Deepseek, indo além da questão de desenvolver algo com menor investimento (US$ 5.6 milhões contra de US$ 100 milhões a US$ 1 bi, de acordo com executivo da Anthropic), o que é até um processo natural no mundo da tecnologia, ela traz mais eficiência energética e isso importa muito para o planeta. Dados do Goldman Sachs calculam que (nos modelos atuais) a demanda por processamento de IA elevaria o consumo de energia elétrica nos data centers em 160% até 2030.
Se os chineses foram capazes de criar um modelo tão ou mais eficiente que ChatGPT e outros e com menos demanda por infraestrutura e processamento, pode ser um sinal positivo quando o assunto é consumo de energia. Claro que ainda existe muita análise para ser feita e como seria o comportamento desse modelo com demanda crescente, mas é algo a ser destacado.
Viéses e alucinações
O mercado também está de olho nesse ponto, tanto que entre as ações que desvalorizaram pelo mundo estão as da brasileira WEG, que fornece equipamentos de energia, como destacou a Folha de S.Paulo na edição desta terça-feira (28/02).
Mas quando o assunto é inteligência artificial e seus desafios para sociedade, parte do debate que toma conta das redes sociais desde segunda-feira (27/02) é sobre o viés do Deepseek. Diversos profissionais trazem em seus posts questionamentos sobre problemas no território chinês e que não são respondidos. Com isso, a narrativa que se constrói é a de que a IA chinesa vem com muitos vieses. Na contramão, há pessoas que compartilham questionamentos de temas sensíveis como o conflito em Gaza, em IAs norte-americanas, ficando igualmente sem resposta, ao passo que, ao questionar denúncias de genocídio contra uigures na China, as plataformas respondem.
Sustentabilidade, deepfake e a guerra de narrativas então entre os motivos para encarar inteligência artificial como grande desafio da sociedade. E seguindo ainda na questão dos vieses, eles são um problema desde o início do desenvolvimento de plataformas de IA e se tornaram mais latente na medida em que a tecnologia ganhou formato para estar disponível facilmente a qualquer um.

Lembro-me de entrevistar há alguns anos a cientista Fei-fei Lee, professora e pesquisadora da Universidade de Stanford e, parte da conversa, se deu em torno dos vieses da IA, especialmente (na ocasião) por problemas verificados em seu uso na área de segurança pública nos EUA. Já na época, antes inclusive da ascensão do ChatGPT, ela dizia que o problema acontecia porque os núcleos de desenvolvimento e configuração não eram diversos. Como meninos brancos do Vale do Silício poderiam criar algo que não viesse com viés, ainda que sem intenção? Como poderiam eles entender comportamentos de mulheres, negros, povos originários? Importante trazer essa visão porque ainda hoje isso é um problema e não importa a nacionalidade da plataforma.
Pensemos um pouco: se o Brasil tivesse desenvolvido seu modelo de IA e o grupo de desenvolvedores estivesse concentrado em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília, reunindo apenas desenvolvedores de universidades de ponta, vocês acham que haveria vieses? Ouso a dizer que provavelmente seria um modelo que taxaria a não existência de racismo no País, além de criar um mundo não condizente com o restante do país que vive realidades distintas.
Como disse há uns dois anos o professor e criador do Cesar (em Recife), Silvio Meira, ainda estamos na era da pedra lascada quando se fala de inteligência artificial, por isso, é importante entender, testar e ir além de julgamentos superficiais de plataforma A, B ou C. As grandes potências entenderam essa tecnologia como ativo estratégico, colocam grandes quantias de dinheiro em variadas plataformas e vão utilizá-las como parte de suas narrativas.
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