
Recentemente o Senac lançou a plataforma Orango, com mais de 50 cursos gratuitos voltados a jovens da Geração Z. O acesso, contudo, como faz questão de frisar Anna Beatriz Waehneldt, diretora de educação profissional do Senac Departamento Nacional, é aberto a todos. Para chegar ao modelo da plataforma, a instituição fez uso de pesquisa, avaliou conteúdos e entendeu hábitos e interesses da nova geração. Como resultado, mais de 100 mil entradas já foram contabilizadas desde o lançamento. São cursos que vão de criatividade à inteligência artificial e funcionam como porta de entrada para esses jovens na educação profissional Senac.
O ensino à distância, no entanto, mesmo com ofertas gratuitas como no caso da plataforma Orango, ainda enfrenta barreiras Brasil afora. Como destacou Anna, a modalidade esbarra na falta de infraestrutura do País. Na entrevista, além de detalhar a estratégia com a Orango e comentar as barreiras existentes para o EAD, a executiva mostrou como o Senac trabalha alterativas para garantir que o conteúdo chegue nas pessoas e falou também sobre como a instituição utiliza inteligência artificial internamente.
A seguir, você confere os principais trechos da conversa.
Vitor Cavalcanti – Por que o foco do produto na geração Z?
Anna Beatriz Waehneldt – O Senac, historicamente, atende a jovens, mas mais a partir dos 18 anos, com maioria a partir dos 25 e 30. Ou seja, já saíram da adolescência e buscam um curso técnico. E temos jovens da geração Z que são jovens aprendizes, que chegam quando fazemos articulação com técnico e escola pública, mas precisamos ampliar esse publico, despertar o interesse dele por cursos profissionais.
Fizemos uma pesquisa que olhou o interesse dessa geração sobre educação profissional e eles querem olhar para o como, eles têm interesses diversos e pelo online. Eles nos conhecem mais pelo online que pelo presencial e queríamos captar esse aluno por meio de uma plataforma que dialogasse com a forma de aprender e seus interesses de aprendizado.
VC – Como foi o processo de escolha de mix de cursos?
AW – Fizemos uma pesquisa, uma revisão de literatura sobre essa geração, mas na pesquisa olhamos áreas de interesse e algumas são transversais como: empreendedorismo e atitude empreendedora, importantes independentemente do segmento profissional que o jovem quer. A inovação, questão de como fazer projetos, novas metodologia de projetos, vimos muito interesse por tecnologia, inteligência artificial, games, criatividade, que também é transversal, e podemos desenvolver técnicas. Muita coisa do audiovisual e cinema que é consolidado no País, mas cujo interesse aumenta em função das plataformas de streaming e porque é a linguagem de comunicação que eles usam; tudo baseado no audiovisual com vídeos curtos, humor.
VC – Como vocês trabalham criatividade, que é um tópico tão desejado pelas empresas?
AW – Temos muitas metodologias e temas sobre criatividade, audiovisual, ela passa por várias áreas e trazemos especialistas que falam com a geração em cima da temática. Entre os tópicos que trabalhamos estão clínica criativa, storytelling para quem quer trabalhar no audiovisual, com mídias sociais. Eles se apresentam por meio dessas mídias e criatividade entra como ferramenta.
VC – IA está entre os cursos que vocês oferecem, o que o jovem deve aprender nessa trilha?
AW – Tem desde curso que trabalha nossa preocupação em alinhar conhecimento básico em relação à IA, com o desvendando IA, quais ferramentas estão disponíveis, como otimizar tarefa, uma formação mais abrangente. Mas entramos também em IA no empreendedorismo, comércio, audiovisual. É importante dizer que são cursos introdutórios, com metodologia que o Senac usa a partir da prática, que é a Ação-Reflexão-Ação.
Mostramos como ele pode atuar a partir do curso, temos muita atividade e troca com esse jovem. Introduzimos por meio de formato de curso que permite que aprenda da maneira como raciocinamos.
VC – Essa metodologia Ação-Reflexão-Ação é restrita à plataforma Orango?
AW – Na verdade, ela começa no presencial. Trabalhamos no desenvolvimento de competências, com capacidade de mobilizar conhecimento, atitude e valor. Cada unidade curricular é uma competência, o próprio fazer, mas não o fazer pelo fazer, tem de refletir sobre isso. Ouvimos deles (dos alunos) o que eles esperam sobre tema e o professor, como mediador, busca literatura, vídeo, conhecimento sistematizado sobre o assunto para ampliar e usar como ferramenta.
O jovem, normalmente, tem conhecimento prévio sobre o interesse, precisamos entender o que ele sabe e, a partir daí, desenvolver o conhecimento para ampliar o saber. Colocamos o jovem em ação e nunca em perspectiva passiva, isso casa com o perfil dessa geração e a maneira como eles aprendem. Existe uma visão pejorativa de que (a geração Z) não tem interesse, não tem vontade de permanecer no trabalho e nossa pesquisa mostra que ela quer segurança no trabalho, quer multitemas, quer aprender, mas a forma de aprendizagem e a forma como lida com trabalho é que é diferente. Essa metodologia por competência que é preconizada na educação profissional desde o início dos anos 2000 se encaixa muito bem no que essa geração deseja.
Inteligência artificial e barreiras ao EAD
VC – Quando falamos de tecnologia, especialmente IA, existem os céticos, os contrários e os que apostam em benefícios. Como você vê o impacto dessa tecnologia na educação?
AW – Ela entrou de forma avassaladora. Quando começamos a discutir, vimos o que já era usado por alunos e alguns professores, convivemos com geração que nasceu na tecnologia, com esse olhar, essa curiosidade. Na verdade, a IA já é utilizada e pensamos em como usar da melhor forma possível. Na perspectiva do ensino, como preparar alunos e professores, sobretudo, em relação à segurança dos dados.
Qual informação você passa para essa IA disponível para alunos? Qual ferramenta e em qual momento de aprendizagem utilizar? Usamos para responder imediatamente uma questão ou para olhar como uma resposta poderia ser aprimorada? Procuramos não usar como a primeira resposta, mas ao longo do processo de aprendizado, como alternativa e meio para colaborar com a reflexão. Essa é a maior preocupação, inclusive, internacionalmente em discussões pedagógicas.
Usamos para sistematizar conhecimento, buscar outras fontes, ela amplia o horizonte, mas não pode ser usada como ponto de partida. Trabalhamos, também, com simuladores tecnológicos para diferentes segmentos e IA está dentro, usamos IA nas tecnologias em sala de aula, com simuladores online, labs digitais, ela é a tecnologia de fundo.
Aplicamos IA para o plano de curso e o trabalho do docente. Temos muitos planos, com várias sugestões de atividade que podem ampliar interesse de alunos, alimentamos uma IA nossa para que professores possam usá-la no momento de elaboração do plano para acessar mais informação com dados sistematizados de 10 anos, ela amplia o conteúdo. Usamos ainda na parte normativa para que o Senac tenha acesso mais rápido à informação. Dá um salto na produtividade.
VC – Por anos, educação digital foi taxada de superficial e vocês são reconhecidos por qualidade. O que vocês fizeram de diferente para garantir um nível de aprendizado mesmo online e assíncrono?
AW – No EAD temos uma rede com cursos em diferentes segmentos, são mais de 30 segmentos profissionais e em diferentes níveis. Existem algumas coisas que fizemos: olhar para metodologia, importante trabalhar ação-reflexão-ação, não jogar uma série de conteúdos sem tutoria que não aponte como usar. Outra coisa fundamental na rede EAD é a tutoria, a relação do tutor para cada 30/40 alunos é importante, especialmente, em cursos técnicos e superiores.
VC – Que tipo de barreira você ainda vê na educação digital?
AW – Tem a barreira de infraestrutura tecnológica. A gente atua com povos originários, temos uma balsa escola que percorre rios da Amazonia e vai às comunidades ribeirinhas. Eles fazem cursos de TI online e é muito legal. O que permitiu isso foi a parceira com a Cisco. Sem algo do tipo, temos dificuldade em atender essa população ribeirinha, dos interiores, por uma questão de infraestrutura, apesar de nossa rede estar preparada para atender em qualquer lugar do país.
Tem alguns estados que oferecem os cursos que seriam online de maneira offline, eles chamam de escola interativa. O aluno vai até o local, acessa o conteúdo que estaria on-line e tem monitoria no espaço; não faz no tempo dele como seria se houvesse infraestrutura digital, mas acessa conteúdo.
Temos cursos de aprendizagem que acontecem parte no Senac e parte nas empresas que precisam contratar aprendizes, por exemplo. Como atender no interior do Acre, Tocantins? Fizemos parcerias e as empresas oferecem o espaço físico para a realização da parte do curso que seria dada em uma sede do Senac. As empresas cedem computador e espaço para os alunos, que fazem tudo lá e evitam a necessidade de deslocamento. A gente sempre pensa em como garantir acesso aos conteúdos online de qualidade para jovens que não têm acesso. Na balsa escola fizemos em parceria com Cisco e, nesses interiores, com as empresas.
Se tivesse infraestrutura e crença do nosso próprio sistema educacional, que ainda tem preconceito (com EAD), estaria melhor. Mas o Brasil avançou muito na educação superior online. Em nossos cursos técnicos temos um volume expressivo de alunos que optam por fazer online, e são 800 horas! Para o ensino profissional a educação à distância é uma ferramenta importante.
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