Não tem quem não reclame dos preços dos alimentos. Se o tema for café, então, a reclamação é ainda maior, já que ele não tem um substituto direto e alta foi intensa. Mas o que tem causado esse aumento de preço? Dólar valorizado e preços internacionais (boa parte dos itens são negociados internacionalmente a preço futuro) pesam mais neste momento. Mas uma coisa é certa: a mudança climática já surge como vilã e vai afetar cada vez mais a inflação. A avaliação é de Edson Kawabata, sócio-diretor da Peers Consulting + Technology. 

Em conversa com o Coletivo Tech, Kawabata explicou que a precificação futura é fruto de um cálculo complexo e com muitas variáveis. Entre elas, o custeio da produção e as conduções agronômicas, já o clima entra, principalmente, no desequilíbrio de oferta e demanda; é o ponto da imprevisibilidade. Mas dada a situação de emergência climática, o especialista aposta em um aumento de eventos extremos, o que tornará o cenário mais complexo e com subidas de preços mais frequentes. 

Mas será que o clima ainda não pesa? O sócio-diretor da Peers comenta que questões climáticas já são consideradas em preços futuros. “Não só pelo aumento de temperatura, mas pelo que é mais dramático, que são os eventos extremos, como chuva ou seca extremas. Alguns estudos foram publicados sobre o efeito do clima na inflação, um deles, que saiu na Revista Nature, diz que, por conta do aumento de temperatura até 2035, se projeta uma inflação de alimentos de 0.9% a 3,2%. Pode parecer pouco, mas é uma cesta de itens.” 

No caso do Brasil, as variações climáticas entre as cinco regiões é apontada como um dos motivos para o agro não ter sido tão forte em 2024. Foram afetadas, por exemplo, as produções de soja e milho, além de culturas importantes como laranja, cana, café e fumo. Se em 2023 o setor impulsionou o PIB, em 2024 viu a safra de grãos diminuir, saindo de 315,4 milhões de toneladas para 293 milhões, de acordo com dados do IBGE. A boa notícia é que para 2025 o volume deve voltar a subir e atingir um recorde: 325 milhões de toneladas.

Olhando para o café, especificamente, que tem sido um grande vilão, o produtor Luiz Monguilod explica que a commodity é uma das mais voláteis no mercado internacional. Neste caso, avalia, o clima teve um peso baixo, já que tudo é negociado no mercado futuro. “No ano passado, o Vietnã teve uma quebra de safra na produção do café Conilon e deixou esse tipo de café pressionado na bolsa de Londres. Fundos apostaram na alta e o preço pulou de U$ 2,2 mil por tonelada para US$ 4 mil, chegando a bater U$ 5 mil a tonelada. Isso puxou e sustentou o preço do café arábica na bolsa de Nova York, saindo de patamares se 180 cents de libra o quilo para 220 cents de libra.”

Refresco para 2025

Se as mudanças climáticas estão aí, o que fazer? ”Existem meios de investir em P&D, e, certamente, existem linhas de pesquisa na Embrapa para tornar as culturas mais resilientes; na falta da água, por exemplo, a cultura resistiria  por mais tempo antes de se perder”, conclui Kawabata. A mesma linha segue Monguilod, para quem o Brasil já é uma referência em pesquisa agrícola, com destaque para a Embrapa e a presença de diversas empresas por aqui. Para ele, a adaptabilidade será uma constante no mundo do agro.

“O Brasil é um celeiro de empresas de tecnologia e mecanização no agro, como AGCO, Valtra e outras. Temos muito produtores de suplemento agrícola, empresas de irrigação, isso é fomentador de transferência de tecnologia. Já viajei o mundo para ver agricultura (Europa, Japão, África), acho que só Israel está mais desenvolvido que o Brasil. Estive em lugares de Israel que chovia 300 milímetros/ano, algo similar à nossa Caatinga, e com produtividade muito alta por metro quadrado, com reutilização de água, entre outras coisas. O clima tem impacto e sempre vai ter, mas temos tecnologia e capacidade de mitigar, produzir mais com menos insumo, menos água”, comenta Monguilod. 

Afora análise de temperatura elevada e falta de chuva, uma observação feita por Kawabata está na concentração de áreas de plantio de algumas culturas, como é o caso do café, com produção concentrada em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Qualquer variação em um desses estados, o efeito é amplificado. “No caso da soja, ela está mais espalhada. A vulnerabilidade climática é maior para culturas mais concentradas.”

Apesar de o consumidor sentir o peso dos preços no bolso por conta da escalada iniciada em 2024, a previsão do Banco Mundial é de menos volatilidade neste ano e até uma certa estabilidade. Isso, claro, considerando que tudo saia dentro do previsto. Desvalorização do Real frente ao dólar, crise no comércio global a depender da estratégia norte-americana e mesmo eventos climáticos mais extremos que venham a surgir no meio do caminho podem prejudicar a estabilidade prevista pela instituição. 

“A previsão do Banco Mundial é de aumento na produção de commodities. A soja, por exemplo, tem previsão de deflação entre 3% e 5% globalmente falando, assumindo que haverá menos perdas quando comparado com 2024. Em relação a apreciação cambial, que também afeta, para 2025 não se prevê aumento; na verdade, a previsão é de quase estabilidade. Esses fatores somados tendem a pressionar menos o preço dos alimentos. 2025 deve ser de alívio para a cesta alimentar”, resume Kawabata.

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