Rhedson Esashica, diretor de Inteligência artificial do Tribunal de Justiça do Amazonas

Por Rhedson Esashika*

A aplicação da Inteligência Artificial (IA) no setor público representa uma oportunidade singular de promover não apenas eficiência, mas justiça social. Mais do que acelerar fluxos ou automatizar tarefas, trata-se de construir soluções tecnológicas sobre fundamentos éticos inegociáveis — aqueles que colocam o cidadão no centro das transformações. No âmbito do Judiciário, essa responsabilidade ganha contornos ainda mais profundos: é preciso romper com os antigos obstáculos que dificultam o acesso à informação e ao próprio direito. A inovação, nesse contexto, deve beneficiar igualmente quem julga e quem busca ser julgado com equidade.

Essa é a diretriz por trás do ARANDU, modelo de IA desenvolvido pela Diretoria de Inteligência Artificial e Ciência de Dados (DVIACD) do Tribunal de Justiça do Amazonas. Treinado com mais de um milhão de processos judiciais, o ARANDU utiliza algoritmos de similaridade para identificar padrões em petições judiciais, com destaque para demandas predatórias e repetitivas. Com isso, promove uma triagem inteligente, que otimiza recursos e evita a sobrecarga do sistema judiciário.

Mas o impacto da ferramenta vai além da triagem. O ARANDU também acelera diretamente a atividade-fim do Judiciário: julgar. Ao exibir, em tempo real, decisões anteriores da corte sobre casos semelhantes ao que está sendo analisado, o modelo oferece um ganho significativo de celeridade e segurança jurídica. Isso facilita a tomada de decisão e favorece uma uniformidade interpretativa, promovendo eficiência com justiça.

O passo além: Arandu GPT

A mais recente evolução dessa jornada no TJAM é o Arandu GPT, uma funcionalidade recém-lançada ainda em versão beta, transforma a forma como servidores e magistrados interagem com os autos processuais. Integrado diretamente ao processo judicial eletrônico, o Arandu GPT permite, por meio de comandos naturais, solicitar sínteses processuais, análises específicas de pontos da ação, ou até mesmo minutas automatizadas de documentos.

Desenvolvido no âmbito da Comissão de Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação (CGTIC), presidida pela desembargadora Vânia Marinho, o Arandu GPT não substitui o julgamento humano, mas atua como um “copiloto jurídico”, ampliando a capacidade analítica e operacional dos usuários autorizados. Ele é um exemplo claro de como a IA pode ser usada de forma ética: sem decisões autônomas, mas com alto grau de utilidade prática.

Em tupi, Arandu significa entendimento, conhecimento, sabedoria. E é justamente esse entendimento que deve guiar o uso da IA no setor público. O objetivo não é apenas fazer mais com menos, mas fazer melhor para todos. Ao automatizar a comparação entre processos e liberar tempo dos servidores, o ARANDU promove não apenas eficiência, mas também acesso qualificado à Justiça.

Na minha visão, o termo “processo eletrônico” já não traduz adequadamente as necessidades e possibilidades do nosso tempo. É hora de atualizarmos esse conceito para algo que reflita melhor a realidade atual e o futuro que estamos construindo. O que se impõe agora é o processo eletrônico inteligente, tracionado pelo uso responsável e ético da inteligência artificial, que não apenas armazena e organiza informações, mas compreende, analisa e propõe caminhos — sempre com o devido respeito ao protagonismo humano no julgamento e à sensibilidade de cada caso.

Acredito que a verdadeira revolução digital no setor público não está apenas na inovação pela inovação, mas na capacidade de a tecnologia remover barreiras históricas em vez de criar. Quando a inovação se alinha à ética, e a eficiência se converte em inclusão, temos mais do que um avanço técnico — temos um avanço civilizatório. É nesse caminho que acredito e que defendo para o futuro da Justiça.

*Rhedson Esashika é diretor de inteligência artificial e ciência de dados do Tribunal de Justiça do Estado Amazonas.

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