A inteligência artificial generativa não é apenas mais uma tecnologia, é o novo salto de plataforma que está remodelando a indústria. Pelo menos essa é a visão de Benedict Evans, analista independente que falou no palco principal do Slush, em uma palestra com um título que pode assustar muita gente: a IA está engolindo o mundo.

Se a história nos ensina algo, é que cada mudança fundamental — do PC aos smartphones — segue um padrão: tecnologias dominantes deixam de brilhar e as emergentes assumem e redefinem a agenda; com isso, o investimento e a criação de valor migram integralmente para o novo vetor. Curiosamente, as primeiras empresas a surgir em um novo domínio (como Nokia no mobile ou as diversas ideias no início da web), avaliou Evans, raramente são as que capturam o valor final. Com essa analogia, o analista provoca ao dizer que “devemos presumir que parte do trabalho que fazemos hoje simplesmente não será a resposta, gerando muito ruído e hype que precisam ser ignorados”.

Dentro da indústria de tecnologia, a regra é clara: o risco de subinvestir é maior do que o risco de superinvestir. Isso disparou uma corrida de capital sem precedentes. As quatro maiores plataformas estão a caminho de gastar cerca de $400 bilhões na construção de infraestrutura neste ano, um aumento 4 vezes superior quando comparamos com anos anteriores. A NVIDIA, ressaltou Evans, mal consegue acompanhar a demanda. Falar com especialistas em data center hoje revela que o acesso à eletricidade é um problema tão grande quanto a escassez de chips. Estima-se que o investimento em data centers possa chegar a US$5 trilhões globalmente. 

Investimento no desconhecido

Essa explosão de investimento não está vindo apenas dos fluxos de caixa gigantescos das empresas mais lucrativas; está começando a exigir leasing e endividamento. A Microsoft, por exemplo, planeja cerca de $50 bilhões em leasing este ano. Esta dinâmica cria um ciclo de receita onde hyperscalers fornecem dinheiro à NVIDIA, que o repassa à OpenAI, que por sua vez o usa para comprar chips para competir com os hyperscalers. No entanto, a confusão persiste: enquanto os modelos em si estão convergindo em desempenho (ficando a apenas 5% a 10% de diferença um do outro), a captura de valor não está clara. “A competição será travada na base (capital e infraestrutura, como a AWS), ou no topo (efeitos de rede e produto, como o software)?”, questionou. 

Na sequência, Evans afirmou que, diferentemente de muita gente no mercado, ele não acredita que estamos a caminho de uma bolha, sobretudo, quando tentam associar o momento atual à crise das pontocom. Essa avaliação, segundo ele, se deve ao fato de que a IA difere fundamentalmente de todas as outras mudanças de plataforma porque não conhecemos seus limites físicos. No passado, sabíamos que um celular não poderia voar; com a IA, não sabemos o quanto os modelos vão melhorar porque não entendemos totalmente por que funcionam tão bem. Apesar do entusiasmo na bolha tecnológica, o uso ainda é incipiente: a maioria dos usuários de GenAI o utiliza apenas uma vez por semana ou por mês. Este cenário exige que os desenvolvedores não apenas “espalhem a tecnologia”, mas sim que descubram qual deve ser o produto e a experiência de uso.

Estagiários infinitos

A implantação deverá ocorrer em fases, exatamente como aconteceu em outros momentos da história da tecnologia. A etapa inicial é a absorção, onde a inteligência artificial é usada para automatizar tarefas existentes, como desenvolvimento de software, marketing e suporte ao cliente. A adoção, no entanto, é lenta: apenas cerca de um terço das grandes empresas tem um produto GenAI em produção. A verdadeira ruptura virá quando o uso da IA for além da automação, alterando as estruturas de mercado, assim como a internet “desagregou” o físico.

A IA oferece o que Evans chama de “estagiários infinitos”. A questão central para as empresas não é apenas fazer o mesmo trabalho com menos pessoas, mas sim descobrir o que se torna possível quando você não precisa de milhões de pessoas para realizar certas tarefas.

A lição final é sobre a natureza esquecida da automação. Relatórios do passado, como um da IBM em 1951, prometiam que calculadoras eletrônicas forneceriam 150 engenheiros, algo que se assemelha às promessas atuais da IA. O que é considerado IA é simplesmente “aquilo que as máquinas ainda não conseguem fazer”. Uma vez que a automação funciona (como aconteceu com os elevadores operados manualmente, que se tornaram automatizados e, por fim, simplesmente “elevadores”), esquecemos que houve qualquer diferença. O mundo muda completamente, e, dez anos depois, muda novamente.

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