
Dados de um levantamento da Laboratoria, projeto que forma mulheres em tecnologia, realizado em parceria com a McKinsey, apontam que a presença feminina no mercado de tecnologia gira em torno de 20% a 30%, se olharmos para liderança o volume é ainda menor. Apesar de avanços nos últimos anos, barreiras culturais, questões estruturais do Brasil e, muitas vezes, a falta de intencionalidade impedem um salto mais consistente, seja para ampliar a quantidade de mulheres em tecnologia ou em carreiras STEM (sigla do inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), de maneira geral.
O assunto foi um dos diversos temas debatidos durante o Febraban Tech 2025, o principal evento de tecnologia bancária da América Latina. Silvana Rosa Machado, diretora de RH e sustentabilidade do Bradesco, comentou, ao moderar um painel sobre o tema, que a Febraban e o sindicato dos bancos se reuniram para criar uma iniciativa que permitisse a inclusão de mais mulheres em tecnologia ao oferecer bolsas de estudo por meio dos projetos Laboratoria e Programaria.
Ao lembrar o cenário nacional, cujos dados do IBGE apontam queda de mulheres em carreiras STEM entre 2012 e 2025, saindo de 23.2% para 22%, a executiva celebra o feito dos bancos, onde a presença feminina nesse tipo de posição aumentou em mais de 120%. “No Bradesco, em STEM de forma geral, que envolve áreas como dados, risco, tecnologia, temos 30% de mulheres e trabalhamos para aumentar.”
O caminho rumo à igualdade de oportunidades, entretanto, anda é longo. Um país onde o machismo é classificado como estrutural e, por questões culturais, a maioria das meninas não são estimuladas dentro de casa a explorarem o mundo com lentes mais amplas, projetos como o da Febraban e ações das empresas são essenciais, sobretudo, no apoio a projetos de formação focados em mulheres como o caso da Programaria.
Como avalia Iana Chan, fundadora e CEO da Programaria, a trajetória da mulher em carreiras de tecnologia normalmente se assemelha a uma corrida de obstáculos, iniciada ao nascer. “Quando se pensa em programação, se pensa no homem branco heterossexual, não se pensa em mulher, trans, preta e temos de quebrar essas narrativas. O primeiro algoritmo foi escrito por uma mulher. Mas só isso não resolve, mesmo que uma mulher tenha tido educação que estimulou jogos de blocos, com acesso computador, quando chega na faculdade e no mercado de trabalho ela encontra outros obstáculos”.
IA desigual
Como relata Iana muitas vezes esses ambientes são hostis à presença feminina e terreno fértil para as chamadas microviolências. Tudo isso serve de desestímulo, muitas acabam por desistir e buscar alternativas para não conviver com tais situações. O trabalho, assim, precisa ser persistente, como avalia Regina Archer, cofundadora da Laboratoria Brasil. “Tivemos avanços, só de discutir é avanço. Fizemos pesquisa com McKinsey e o resultado mostra que desafio é persistente, sem intencionalidade, ele piora. Falamos muito na Laboatoria que não podemos retroceder e acreditamos mais do que nunca, ainda mais com IA.”
Tanto a Laboratoria como a Programaria recebem diversos perfis de mulheres, boa parte delas vem em busca de uma mudança de carreira ou de abrir oportunidades, por integrarem grupos de vulnerabilidade social. Despertar o interesse, no entanto, se mostra cada vez mais urgente, principalmente, devido ao avanço da inteligência artificial generativa, que já traz reflexos no mercado de trabalho e cujo desenvolvimento tem sido liderado em sua maioria por homens. Além do impacto no mercado, o não envolvimento de mulheres e outros grupos em IA reforçam outros desafios como os dos vieses, o que, na visão de especialistas, pode reforçar desigualdades.
“As mulheres usam menos IA. A maioria dos homens já explora, busca formação, é um mindset que precisamos atuar. Não explode a cabeça se abrir o GPT, fuça com responsabilidade, consciência crítica, tem de entender impactos sociais e ambientais da IA generativa”, comentou Iana, para completar: “posso liderar IA generativa? O Deep Seek, na China, foi uma mulher que liderou. Não é desafio das mulheres em si, mas por conta do ambiente, como me imagino liderar tecnologia, se não vejo outras? Os desafios são conectados, precisamos de mudanças sistêmicas”.
Ambas as organizações, apesar de modelos diferentes, a Laboratoria foca em programas de 20 semanas e a Programaria em modelos de formação mais curta, contam com uma série de casos de sucesso que poderiam ser ampliados se houvesse envolvimento maior de empresas e, como lembram Iana e Regina, mais intencionalidade na execução dos programas.
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