Por Wilian Luis Domingues*

Com a ascensão da Inteligência Artificial (IA), o papel do conselheiro empresarial passa por uma grande mudança. Muitas tarefas antes baseadas em análise e operação — como previsão de mercado ou avaliação de riscos — agora podem ser automatizadas, exigindo que o conselheiro redirecione sua atenção para questões estratégicas e de longo prazo, além é claro, daquelas mais focadas em Governança.


Escopo Ampliado e Funções Revisitadas

Historicamente, os conselheiros guiavam a empresa em cenários estratégicos, operacionais e regulatórios, mas agora, com a IA oferecendo análises detalhadas e rápidas, a missão do conselheiro se expande na minha visão. É necessário olhar um pouco mais adiante e com uma amplitude maior.

Parece-me que o conselheiro pode dedicar mais energia à construção de uma visão de longo prazo, definindo prioridades como inovação, sustentabilidade e expansão de mercado. 

Isso costumava ser direcionado a Comitês, mas imagino que uma parte do tempo das reuniões do conselho passará a ser dedicada a esses temas.

Outra possibilidade que me parece factível é que os conselheiros comecem a usar IA para ganhar tempo na leitura de relatórios; mais do que isso, a IA permitirá uma velocidade incrível em comparações de cenário, que muitas vezes eram discutidas em reuniões e ficavam para a próxima reunião do conselho. Com a IA, isso pode ser visualizado e debatido em tempo real.

O poder de processamento da IA traz inúmeras vantagens, mas também levanta questões sobre como equilibrar a frieza dos algoritmos com a sensibilidade humana. Mesmo que a IA encontre padrões e faça sugestões, cabe ao conselheiro decidir se essas recomendações são viáveis e éticas. Por exemplo, um corte de custos sugerido pela IA pode não considerar impactos humanos ou culturais, pois existem fatores externos que “ainda” não podem ser utilizados pela tecnologia.


Competências Essenciais para o Novo Cenário

Para tirar proveito da IA e evitar armadilhas, os conselheiros precisam não apenas abraçar a tecnologia, mas também aprimorar as habilidades interpessoais. Não estou dizendo que o conselheiro precise ser um especialista em programação, mas é importante compreender como os algoritmos funcionam, de onde vêm os dados e como eles são processados. Isso permite questionar relatórios e recomendações de forma embasada.

Ao mesmo tempo, empatia, comunicação, liderança e gestão de conflitos tornam-se ainda mais cruciais quando a IA assume o papel “técnico”. O conselheiro atua como ponte entre o que o algoritmo sugere e o que faz sentido para a cultura da empresa. Veremos algumas diretrizes vindas do conselho que terão um DNA técnico, o que é bastante novo.


Desafios e Riscos na Adoção da IA

Apesar dos benefícios — como análises mais ágeis e maior eficiência —, a incorporação da IA nos conselhos também apresenta riscos. É fundamental que os conselheiros estejam cientes deles para manter a governança sólida e a reputação da organização.

  1. Dependência Excessiva da Tecnologia
    Nenhum algoritmo é infalível. Dados enviesados ou incompletos podem levar a conclusões equivocadas, e aceitar cegamente as recomendações da IA pode resultar em decisões problemáticas.
  2. Ameaças Cibernéticas
    Quanto mais digital for o ambiente, maiores podem ser as ameaças cibernéticas. A IA processa grandes volumes de dados, tornando-se um alvo chamativo para ataques. Se dados brutos já eram alvo, imagine dados treinados, limpos e prontos para uso.
  3. Privacidade e Conformidade Legal
    Leis como a LGPD (no Brasil) ou o GDPR (na Europa) exigem cuidado no tratamento e armazenamento de dados. O uso da IA deve seguir rigorosos padrões de privacidade para evitar consequências legais e reputacionais.
  4. Viés nos Algoritmos
    Se a IA for treinada em dados que contenham vieses (de gênero, raça, classe etc.), ela tende a reproduzi-los. Os conselheiros precisam exigir transparência e monitorar as decisões algorítmicas para garantir equidade.

Agora, Falando do Conselho para o Próprio Conselho

A adoção da IA pode enfrentar resistências de conselheiros, o que pode fazer com que o tema perca relevância. Alguns conselheiros ainda tenderão a manter as reuniões focadas apenas em governança, ignorando tecnologia, inovação e IA. Em minha visão, porém, a IA mudará o que hoje chamamos de governança.

Ao aprofundar a discussão sobre como a IA vem reconfigurando o papel do conselheiro, bem como os riscos e desafios que a acompanham, reforça-se a necessidade de equilíbrio entre a inteligência de máquina e a inteligência humana. A IA pode elevar a eficiência e a precisão das decisões, mas o toque humano — com sua visão crítica, ética e empática — permanece indispensável.

O conselho do futuro será aquele que conseguir combinar análise de dados avançada com uma compreensão profunda dos valores e da cultura organizacional, garantindo resultados mais sustentáveis e inclusivos.

*Wilian Luis Domingues é CIO com mais de 20 anos de experiência em tecnologia e inovação. Graduado em Ciência da Computação, possui MBA em Inovação e Tecnologia pela Babson College e outras especializações em colégios de educação executiva como MIT, Dom Cabral, Insper. Atualmente, lidera a transformação digital na TEMPO, empresa que atua no mercado de Assistência e Conveniência. Também é professor convidado no MBA USAP/ESALQ, onde ministra cursos sobre Transformação Digital e Tecnologia, e na FIAP, lecionando sobre Arquitetura de Dados para Tomada de Decisão.

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