Transição energética tem sido um tópico amplamente discutido no mundo. O Brasil, embora leve certa vantagem por possuir uma matriz energética limpa e uma riqueza em minérios que vale muito neste momento, precisa acordar e entender qual papel quer desempenhar nesse contexto. Apesar de limpa, nossa matriz, muito atrelada às hidrelétricas, não está imune à crise climática. Além disso, ter minérios sem investimento em pesquisa e tecnologia, pode deixar o país como eterno exportar de commodities, como já aconteceu, por exemplo, na produção de painéis solares. Enviamos quartzo para fora e importamos o produto de valor agregado. A avaliação é da professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretora do Centro de Inovação para Novas Energias (CINE), Ana Flávia Nogueira. 

Ana falou sobre o assunto durante o Cubo Conecta, principal evento do hub de startups, que, neste ano, completou dez anos de existência. Durante sua fala, moderada por Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú, reforçou a ideia de que transição energética não é sobre futuro, é um movimento em curso e que precisamos, enquanto País, entender nosso papel nesse universo. A Europa tem uma agenda e o desejo de cumprir é grande, já os Estados Unidos são vistos como uma caixa de surpresa. 

“Com o Brasil eu sou otimista. Temos muito sol, muito vento, muito minério, temos muitos recursos naturais, mas o que fazemos com isso? Não adianta importar painéis fotovoltaicos, baterias e nisso a questão da inovação é importante e lá fora a velocidade é maior que aqui”, provocou a pesquisadora, ao ressaltar a oportunidade que o País tem ao sediar a COP 30 e a necessidade de se fazer lição de casa como o fortalecimento da indústria nacional. “O Brasil precisa saber o que quer, temos tudo, temos boa localização, excelentes instituições e nossos recursos humanos estão indo embora. Está na hora de entender o que queremos para o País em 20, 30, 50 anos.”

A professora da Unicamp reconhece que esse olhar de longo prazo é mais presente na academia e menos no mundo dos negócios até pela nossa cultura, mas entende que é preciso uma estratégia com essa visão e que traz juntos governo, academia e iniciativa privada. “Se não acelerarmos, vamos perder outro bonde. Fiz minha carreira em fotovoltaica. Nesses 30 anos de caminhada, as pessoas contam histórias, perdermos vários bondes, seguiremos assim ou teremos papel importante?” 

Existe bala de prata na transição energética?

Questionada se haveria algo como uma bala de prata para apostar na transição energética, Ana explicou que é difícil pensar em uma única tecnologia que salvará. Ela lembrou, por exemplo, que a temperatura média global já ultrapassou a meta estabelecida de 1,5ºC e já se fala em 2ºC. “Já estamos sentindo. Não sei se vocês perceberam que as coisas estão rápidas. Precisamos de todas as tecnologias possíveis, as desenvolvidas e as em desenvolvimento. Nossa matriz atual é única, diversificada, isso é vantagem, mas não tem bala de prata. Hidrogênio começou, teve empolgação, de que resolveria problema, aí teve decepção e agora se volta a falar, e isso é parte do processo, é esperado.” 

O hidrogênio verde pode ser relevante?

Mesmo com o ceticismo que tomou conta do hidrogênio verde com baixa nos investimentos, a professora da Unicamp reforça que o mercado voltou a olhar que o Brasil é importante nesse processo. Ela explicou que o hidrogênio verde vem da eletrólise da água, e se for renovável, como é a do Brasil, é possível produzir a partir da água. Como nossa eletricidade é relativamente mais barata, nosso hidrogênio deve ser também mais barato. Mas aí ela volta a questionar se iremos produzir hidrogênio e exportar ou se iremos criar uma indústria aqui. 

“Importamos mais de 90% dos fertilizantes que usamos. Somos dependentes. Como faz amônia, a Nh3? Ela precisa do h2 (hidrogênio). Tem oportunidade aqui, podemos produzir o fertilizante verde. O Estado de SP está com programa legal para hidrogênio, usamos isso até para margarina, podemos produzir aço verde, é oportunidade grande para o Brasil. Em vez de exportar, aproveitar o que vamos gerar e fazer a neoindustrialização que a gente espera.” 

Pesquisa x aplicação

Ana Flavia Nogueira também tocou num ponto essencial que é o grau de maturidade de tecnologia, dentro da escala conhecida como TRL e que vai de 1 a 9. Ela afirma que muitas empresas procuram laboratórios já com desejo de produto, ou seja, em níveis 8 ou 9. Mas na academia isso não será entregue, o que acaba por gerar frustração. No CINE, que ela dirige, os primeiros anos foram com tecnologias de níveis 2 a 4 e, agora, eles querem chegar em 6. “Não dá para ir além disso, porque damos aula, a pesquisa é de laboratório, a escala é pequena e tem o vale da morte, você desenvolve algo legal, mas que não vai adiante.”

Ela conta que, em 2008, tinha protótipos de célula solar flexível e poderia ser aplicado com muita facilidade, mas, na ocasião, ainda era muito difícil falar de energia solar na época. Por isso, a parceria é importante, na China, o governo investiu muito nos laboratórios de pesquisa, sobretudo, para pegar o protótipo e levar para o mercado. 

“Nós precisamos criar um mercado da transição energética aqui, porque as pessoas vão embora. Enquanto negócios não rodarem, não tivermos segurança jurídica para que os negócios de transição aconteçam, há projetos esperando. Precisaremos também de capital; ou começamos a investir, fazendo parcerias, convênios. As teses de ossos alunos de doutorado e mestrado no CINE são aplicáveis, são estudos de caso, e, com parcerias com empresas, e o aluno quer essa parceria, as coisas podem acontecer.” 

Lições para o Brasil

Já ao final da participação, a diretora do CINE frisou que crise climática não pode ser tratada de maneira política, já que afeta todos os lados, é uma crise democrática, afeta a todos espectros políticos, todas as classes sociais e idade. Com isso, ela fez um chamado para o investimento em inovação, sem receio. E exemplificou como poderíamos estar dominando, por exemplo, o mercado de terras rara. “Na década de 50 tinha 3 professores que faziam separação de terras raras, o Brasil dominava isso. São terras formadas por elementos parecidos e que ficam juntos, é de difícil separação. Enviamos 200 quilos de sal de terras raras para submarino nuclear. A empresa foi comprada e, 20 anos depois, morreu. Não se continuou a pesquisa em terras raras, a China começou a estudar essa parte e lideram mineração e separação de terras raras.” 

Um ponto positivo, pelo menos para os que pesquisam no Estado de São Paulo, na visão da professora da Unicamp, é que não se pode reclamar de infraestrutura, lembrando que 80% do acelerador de partículas localizado em Campinas (SP) foi produzido aqui, além da boa formação que temos, sobretudo, na graduação pública. O que falta é balancear o investimento. A Shell, por exemplo, investe no CINE, mas outras parcerias como essa precisam ser forjadas. Não se faz um laboratório de sucesso sem a iniciativa privada. 

“O Brasil tem vocação incrível. Portfólio de tecnologias possíveis, a gente tem quase tudo, só precisamos de tecnologia. Os recursos minerais são limitados, precisamos pensar no que queremos ser como pais. Vamos fazer baterias? Vamos reciclar essas baterias? Temos tudo para liderar transição energética. Com a COP 30 poderemos influenciar pautas, mostrar o que fazemos, temos muita coisa boa na academia. Tem que sentar todo mundo na mesma mesa: governo, academia, empresas e aumentar valores em pesquisa e inovação. Inovação é o que vai fazer a gente dar um pulo, de outra maneira vamos apenas exportar commodity”, analisou Ana Flavia Nogueira, ao concluir sua participação.

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