
A transição para uma economia de baixo carbono deve ser contínua e, sobretudo, justa. Essa é a mensagem que a Schneider Electric pretende levar à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em novembro, segundo Mathieu Piccin, head de sustainability business da empresa no Brasil.
Na COP, a companhia também lança o estudo completo sobre descarbonização, fruto de acordo com o Instituto de Pesquisa em Sustentabilidade da Schneider Electric (SRI) e a Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria (SEV) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Anunciada no início do mês, a iniciativa engloba políticas de demanda, intercâmbio de especialistas e cenários de descarbonização industrial.
Em conversa com o Coletivo Tech, Piccin comenta as expectativas para a conferência, bem como analisa os resultados de sustentabilidade da companhia. Ele também discorre sobre impacto dos resultados na operação brasileira e como soluções de digitalização e eletrificação já demonstraram escalabilidade na redução de emissões de CO2 para clientes.
Karen Ferraz – A Schneider Electric divulgou recentemente a avaliação trimestral (abril-junho) do programa Schneider Sustainability Impact (SSI) 2021-2025, cuja pontuação atingiu 8,06 de 10 no trimestre. Qual avaliação vocês fazem até aqui do programa?
Mathieu Piccin – Estamos satisfeitos com o avanço trimestral do programa global, cuja meta final é dezembro. A empresa está no caminho certo para alcançá-la, mas ainda há trabalho a ser feito. Algumas metas, como a de treinamento em eletricidade e gestão de energia, já foram superadas.
A meta é treinar 1 milhão de pessoas mundialmente, sendo o Brasil uma parte fundamental disso, especialmente em locais onde antes não havia energia elétrica. Assim, podemos contribuir positivamente ao impactar a vida de pessoas que desejam se capacitar para aproveitar oportunidades de emprego ou empreendedorismo em energia.
A capacitação ajuda a preencher a lacuna de profissionais, disseminar boas práticas e acelerar a adoção de medidas de descarbonização. A formação contribui para uma transição mais inclusiva, permitindo que profissionais colaborem com a eletrificação e digitalização da economia, tornando-a menos intensiva e mais eficiente.
KF – A empresa já evitou 734 milhões de toneladas de emissões de CO₂ para os clientes desde 2018. Como o Brasil colabora com esses números?
MP – Nossa meta global é reduzir 800 milhões de toneladas de emissões de CO₂. O Brasil contribui de diversas formas, principalmente pela adoção de tecnologias e práticas da Schneider Electric. Por exemplo, a rede de hotéis Meliá passou a comprar energia de fontes 100% renováveis. Antes, a compra de energia era vista apenas como uma fatura a ser paga, mas auxiliamos na transição para fornecedores de energia renovável, que muitas vezes se mostram mais econômicos do que a energia da concessionária tradicional.
Além disso, apoiamos clientes na digitalização da energia, que torna o consumo visível, permitindo identificar padrões e ineficiências a serem corrigidas. A rede de lojas Cencosud, por exemplo, reduziu 3.840 MWh em 2023 com a ferramenta EcoStruxure Resource Advisor, equivalente a 500-600 toneladas de CO₂.
A Schneider também aplicou essa metodologia em suas próprias operações, alcançando 16% de melhoria na eficiência energética de seus sites através de medição, digitalização, automação e auditorias internas.
KF – A Schneider Electric acaba de assinar acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para acelerar a descarbonização industrial no Brasil. Como resultado, apresentaram um estudo com cenários prospectivos até 2050 sobre a descarbonização orientada pela demanda. Quais são as oportunidades?
MP – O estudo apresenta cenários e oportunidades focados na eletrificação e digitalização como meios para tornar a economia brasileira menos intensiva em energia e mais eficiente economicamente. O levantamento aponta para setores intensivos como construção, cimento e aço. No entanto, a oportunidade não se limita a eles, pois o estudo se concentra na demanda energética e na premissa de que a energia mais sustentável é a que não se consome.
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KF – O estudo completo será lançado na COP 30, considerada um momento oportuno para alavancar a descarbonização da indústria brasileira. Qual é o modelo de descarbonização que a companhia defenderá durante a Conferência?
MP – A Schneider Electric defenderá na COP um modelo de descarbonização alinhado com a mensagem da presidência da conferência de uma “transição justa” e com o papel ativo do setor privado na transformação. A empresa se posiciona como fornecedora de mudança, com iniciativas de capacitação e acesso à energia.
Um exemplo é o projeto com a Cielo no Pará, que fornece energia descarbonizada a comunidades sem acesso e gera créditos de carbono. A energia é um passaporte para uma vida decente. Sem energia elétrica é difícil ter acesso a outros recursos. Queremos mostrar que iniciativas de acesso à energia e capacitação na área transformam a vida de pessoas de uma maneira inclusiva e descarbonizada.
A transição energética é uma jornada sem fim, precisamos continuar. A mensagem que a COP traz é de inclusividade, de que não podemos construir um mundo novo que deixa pessoas de lado. Então, ser o mais inclusivo possível na transição de baixo carbono deve ser um imperativo. A COP vem trazer esse impulso, que a gente espera que aconteça.
KF – E como as discussões e negociações sobre financiamento da transição energética devem avançar durante a COP30?
MP – É um assunto muito discutido na COP, mas ainda não temos um acordo sustentado. Houve um acordo sobre financiamento no ano passado, mas que foi alvo de muitos questionamentos. Agora, as discussões devem focar em como fazer o capital chegar às iniciativas de descarbonização. Mais do que disponibilidade, o foco será a acessibilidade ao financiamento.
No Brasil, há capital público, através de veículos como o BNDES e o Fundo Clima, e privado em grande quantidade. Como acelerar a conexão desse dinheiro com iniciativas de descarbonização? E esse deve ser um esforço de todos os atores. A Schneider Electric tenta convencer as empresas de que a sustentabilidade é rentável, incentivando o investimento ou a busca por recursos.
KF – Sabemos que a tecnologia pode ajudar na construção de novos ecossistemas industriais, mas que ela também pesa nessa conta quando o assunto é consumo de energia, água e outros recursos. Qual o papel da tecnologia na transição e como vocês estão trabalhando para tornar esse saldo positivo?
MP – É preciso promover um uso consciente da IA. Nós buscamos utilizar a tecnologia apenas quando realmente faz sentido. O ponto de partida é uma IA frugal, uma IA eficiente. Desse modo, priorizamos modelos de IA mais eficientes, embora os atuais já sejam mais eficientes do que há dois anos. O objetivo é colocar a tecnologia a serviço da eficiência e da sustentabilidade. Isso se manifesta em produtos que incorporam inteligência artificial para reduzir o impacto ambiental.
Um exemplo é o uso de IA para otimizar o funcionamento de sistemas complexos, como em hospitais. Ao integrar placas solares, baterias e carregadores elétricos, um software de gestão de cargas e geradores, impulsionado por IA, otimiza o aproveitamento de fontes renováveis, como a solar, o que resulta na redução do consumo da rede elétrica tradicional, que pode ser menos limpa e gerar perdas na transmissão.
Para um sistema de microrrede com energia solar, a proporção é de 1 para 500. Ou seja, por 1 tonelada de CO2 produzida pelo do uso da IA, 500 toneladas de CO2 podem ser reduzidas. A visão é de responsabilidade, pois a IA pode gerar um benefício ambiental significativamente maior do que o seu próprio consumo de energia.
A IA já é aplicada em softwares da Schneider Electric para otimizar edifícios e redes elétricas. Assim, indústrias e edifícios digitalizados podem se beneficiar dos novos algoritmos sem a necessidade de grandes investimentos em novas instalações.
KF – E o que vocês têm feito nesse sentido na operação brasileira?
MP – Na operação brasileira, a empresa compra 100% de energia renovável e aumentou a eficiência energética com digitalização e automação. Dois sites no país, em Cajamar e Blumenau, são classificados como “0 CO₂”. Além disso, produtos com o selo Green Premium superam 82% das vendas no Brasil, contribuindo para a redução de emissões no ciclo de vida dos equipamentos.
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