
O presidente da Equinix Brasil, Victor Arnaud, faz questão de pelo menos duas coisas: frisar que está há 19 anos no grupo e que a empresa cresce de forma consecutiva há 22 anos. Os dois dados mostram a consistência dos planos e os resultados que, como ele mesmo diz, são comprovados com retorno ao investidor e satisfação do cliente.
A Equinix entendeu que embutir sustentabilidade no modelo de negócio valia a pena, foi uma das primeiras a publicar relatório sobre o assunto, tem site com metas ambiciosas para 2030 (algumas já atingidas) e, para Arnaud, trata-se de um caminho sem volta, pese o momento atual. Seja no uso de energia renovável, no reuso de água de chuva ou na busca de neutralizar carbono. “Eu não compro crédito e faço o que sempre fiz, como um neutralizado de verdade, eu não esqueço de corrigir meu processo”.
A seguir, você confere os principais trechos da conversa.
Vitor Cavalcanti – A Equinix conta hoje com 3 data centers no Rio de Janeiro e 5 em São Paulo. Qual a importância do nosso território na estratégia da empresa e o que você vê de oportunidades para os próximos anos? O Brasil pode mesmo avançar mais na indústria de DC?
Victor Arnaud – O Brasil é o hub da América Latina (AL), todo player começa em São Paulo e, depois, pensa em outras cidades. O comportamento das nuvens em inteligência artificial (IA) mostra isso, as zonas começaram aqui e depois foram para outros lugares, pelo nosso tamanho e pelo nosso potencial econômico. Por mais que seja difícil fazer negócio (no Brasil), a oportunidade é maior que a dificuldade. Continua com posição de protagonismo regional. Em IA isso não vai mudar, porque temos mercado consumidor gigante e precisamos de capacidade computacional para entregar isso. Para Equinix também é (um mercado) muito importante, somos protagonistas entre emergentes e exportamos (processos e soluções) para outros países. A parceria com Nvidia (para oferta de serviço gerenciado de supercomputação e IA) foi tocada pelo time brasileiro lá fora.
Em IA, o Brasil tem potencial gigante, a começar pela matriz energética em grande parte renovável, mas temos de trabalhar em outros pontos como tributação. Se não precisar colocar GPU ao lado do consumidor, para que pagar esse imposto de importação? Para ser hub global de IA temos de trabalhar essa facilidade de fazer negócio. O PIX é um grande case de transformação digital e bancarização no mundo, e isso deixa potencial otimista. Podemos fazer algo de protagonismo global.
VC – A reforma tributária ajuda nesse sentido?
VA – A reforma simplifica, mas quando falamos em alíquota, não só em consumo, importação é outra discussão, em IA é importação, até porque não produzimos GPU por aqui. Talvez, a gente até tenha perdido esse trem. Mas se facilitar, as empresas começam as nos considerar.
(Será cada vez mais comum) treinar o modelo e jogar para pontos inferentes, onde tem inferência é onde precisa latência baixa. A inferência* vem para cá, mas não sei se (o Brasil) seria opção para treinar modelos (pelo custo de importação das GPUs necessárias).
VC – Com ampliação do uso de nuvem e IA, o aumento da demanda por energia dos data centers chamou a atenção mundo afora. Vocês possuem diversas metas ambientais, como a de serem neutros em carbono e atingir 100% de uso de energia renovável até 2030. Esses compromissos seguem em pé? Como estão essas metas no Brasil?
VA – Em energia já atingimos a marca de 100% renovável. No Brasil, a meta de energia é até mais simples que em outros países (pela matriz energética do País). Ajudamos com a meta. Em carbono, temos trabalho a ser feito e o carbono neutro a depender de como se olha é mais polemico. Fornecemos para nossos clientes relatório do ambiente que o cliente utiliza e com certificado de energia renovável. Tenho de me tornar neutro e contribuir com outras cadeias mostrando que posso neutralizar. Eu não compro crédito e faço o que sempre fiz, como um neutralizado de verdade, eu não esqueço de corrigir meu processo e, no Brasil, estamos em posição boa. Tem muita mudança de hábito envolvida. Sustentabilidade se tornou uma discussão de longo prazo, não nos interessa os próximos dois anos, mas o longo prazo.
VC – Olhando de forma simples, dois grandes grupos consomem a maior parte da energia demandada pelos data centers, em torno de 80% de acordo com a Deloitte: o processamento das máquinas e os sistemas de ar-condicionado. No plano de vocês, essas frentes são as mais atacadas para atingir as metas de sustentabilidade?
VA – Power Usage Effectivess (PUE). Quando falo que meu data center tem PUE de 1 e alguma coisa, significa eficiência (o PUE é resultado do consumo de energia total do data center dividido pelo consumo de energia dos equipamentos de TI). Quanto menor (o PUE), mais eficiente. Se esquentar muito o ambiente, a operação cai. Então, primeira coisa, a ideia de entrar em data center e colocar casaco, esquece, as máquinas hoje funcionam com 30ºC. As pessoas ainda acham que precisam de casaco. Claro que precisa refrigerar, tem áreas especificas que precisam de temperatura determinada.
E tem outras maneiras de buscar eficiência nessas frentes. Em São Paulo conseguimos fazer free cooling direto, ou seja, desligo o ar e faço resfriamento do ambiente puxando ar de fora. Em nossa discussão aqui (temos metas claras) falamos disso, a cada ano sou mais eficiente refrigerando processamento. Mas se meu cliente não traz processador eficiente, meu compromisso é refrigerar. Há dez anos a temperatura de funcionamento dos equipamentos era -20ºC, hoje, as normas falam em 30ºC. Cada grau centrígrado que aumento no meu limite, melhor o PUE e a conta reduz.
VC – Essa demanda por processamento de IA e, consequentemente, o impacto disso no consumo de energia dos data centers é uma preocupação real para vocês ou é algo que o segmento já administra? O Goldman Sachs fala em um aumento de demanda de energia da ordem de 160% até 2030.
VA – Acho que vivemos uma convergência de várias tecnologias, como a nuvem foi em 2010. Vivemos isso em 2010, com aumento de densidade nos data centers. Agora estamos vendo isso novamente. O consumo vai aumentar conforme as estruturas evoluem, o comportamento é esperado. Há dez anos, era 1 milhão de vezes mais caro o mesmo processamento de hoje. A Nvidia reduziu muito o custo de processamento e isso vem com energia. A curva de processamento e consumo não é linear. Por isso, combinamos na curva de crescimento. Ela é mais acelerada que na época da nuvem? Sim, e IA não cresceria sem nuvem. Será uma curva estrutural.
Mas temos de entender que as coisas não mudam de uma hora para outra. É da natureza do ser humano superestimar os próximos meses. Temos capacidade de subestimar e não enxergar uma onda maior que está vindo e, com IA, se superestima o curto prazo e subestima longo. (Um exemplo é) Agente de IA, que é capaz de substituir workflow. A Salesforce fala muito disso, da capacidade de influenciar rotinas de trabalho baseadas em consumo de informação.
VC – Eu tenho visto diversas ações bastante criativas, inclusive, quando se fala de sustentabilidade e data centers, uma vem da própria Equinix que é o usar o calor excedente das estruturas para calefação de residências. Temos algo nessa linha aqui no Brasil?
VA – Temos a reutilização da água da chuva. Isso funciona muito bem aqui no Brasil, (mas como o País) tem abundância de água, não se discute muito. Quando tem chuva normal (dentro do esperado), não uso água externa, reaproveito da chuva. Nosso caso que bombou foi o da olimpíada, aquecemos o parque com energia do data center. Quando tem rede pública de aquecimento fazemos isso, porque não distribuímos, nesse data center temos horta no terraço e colaboramos com comunidade local. Mas dependendo do equipamento que usa, se gasta muito. Somos muito seletivos com quem trabalhamos por isso, um dos requisitos é impacto em eficiência.
VC – Tivemos neste mês a posse do presidente americano com alguns decretos já esperados como saída do Acordo de Paris e ações que cancelam metas de energia limpa e descarbonização. Ao mesmo tempo, o Fórum Econômico Mundial pedindo para CEOs tratarem sustentabilidade e riscos climáticos em suas estratégias. Alguns tendem a concordar com Trump e outros acreditam que os investimentos em sustentabilidade é um caminho sem volta. Como é para você?
VA – É um caminho sem volta. Estou há 19 anos na empresa, crescemos há 22 anos consecutivos. E tem coisas que são inegociáveis, como a de criar a próxima prática. Quando criamos nosso relatório em 2015, ninguém publicava, hoje, todos publicam. Nosso modelo de sustentabilidade é open source, que nos imitem, estou aqui para criar uma plataforma para os próximos 25 anos, de forma apartidária, nossa plataforma é neutra. E isso está no longo prazo.
VC – Por fim, eu tenho lido muito sobre o ROI desse tipo de estratégia e lembro de uma fala do Fabio Barbosa de que é possível ser sustentável e lucrativo ao mesmo tempo. Queria duas reflexões suas: primeiro, esse investimento já tem cálculo de retorno? Em segundo lugar, esse plano de metas tem interessado aos clientes?
VA – Alguns clientes pedem isso. Sobre ROI, eu não faço (da maneira trivial). Do ponto de vista de quem investiu, hoje a Equnix é mais valiosa. Nosso valor de mercado é de US$ 100 bi, (praticamente) nossos concorrentes somados. Nosso modelo de negócio com sustentabilidade embutida como pilar se mostrou bem-sucedido, com novos clientes e com retorno para o acionista. Os números falam por si só; criamos um negócio único que cresce há 22 anos sem parar.
*De forma muito simplificada, inferência em inteligência artificial é usar modelos muito bem treinados para reconhecer padrões e tirar conclusões com dados novos. Ou seja, um local desenvolve o modelo, o treina com máquinas sofisticadas e, depois, esse modelo é replicado em pontos inferentes.
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