Bruno Assaf, diretor de ISG Dell Brasil

No faturamento global da Dell o portfólio de data centers já ultrapassou o valor gerado pelos tradicionais PCs. Muito disso em virtude do avanço da inteligência artificial (IA) no mercado, como conta nesta entrevista Bruno Assaf, diretor da unidade de negócio ISG (sigla do inglês para grupo de soluções de infraestrutura) da Dell no Brasil. 

O executivo comenta a estratégia da empresa em unir a força do hardware com IA, mas também aborda as oportunidades setoriais no Brasil, como no agronegócio e em saúde. Ele vislumbra o crescimento da demanda por processamento de IA para aproveitar as oportunidades que se apontam no país com a indústria de data centers. Esse nicho, aliás, vive um boom no Brasil com projetos grandes no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em São Paulo, além de incentivos do governo federal para infraestrutura verde. Um movimento sólido que pode consolidar o país como um dos grandes hubs de processamento de IA no mundo.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Vitor Cavalcanti – Me chamou atenção a estratégia da Dell com AI Factory, porque depois de anos de um movimento em prol da nuvem pública, agora se fortalece o discurso do on-premise, especialmente para o uso de IA mais próximo de onde as coisas acontecem. Qual que é a perspectiva de você vocês com essa linha no Brasil? Tem clientes usando?

Bruno Assaf – A gente tem não só provas de conceito, como projetos já vendidos de AI Factory com Nvidia no Brasil. O que a gente viu nesses últimos 12 meses, foi um ano de muita experimentação, muito entendimento de como é, como é que faz. Agora é uma fase em que você começa a sair da experimentação e fala assim: “Como é que eu faço para isso ser feito em escala”? Testei para um grupo pequeno de funcionários, vou ampliar. Fiz uma solução para um grupo pequeno de clientes, agora vou usar para atender todos os meus clientes.

Esse momento de escalada é ideal para a AI Factory. Porque a gente traz um lugar onde você pode conviver com múltiplos modelos, múltiplas iniciativas e ter uma escala de custo por neurônio de inteligência artificial, por assim dizer, de 5 a 15 vezes menor do que quando você estava na fase da experimentação, usando simplesmente tudo na nuvem.

VC – Olhando para esses clientes que já estão usando no Brasil, que tipo de aplicação tem levado eles a adotarem a AI Factory?

BA – A gente tem alguns exemplos, mas o conceito da Factory é ser um motor que pode servir para qualquer aplicação. A gente entrega um lugar onde ele consegue o mesmo desempenho usando um modelo do Google Gemini, um modelo do OpenAI, do DeepSeek ou até uma coisa que não está dentro dos modelos. 

Quando você quer algo que melhor lhe convém para aquele problema ou até aplicar mais de um modelo para o mesmo problema, entra a AI Factory. Eu posso, por exemplo, atacar o problema sobre um ângulo usando Gemini. Eu posso usar um DeepSeek sem a preocupação do destino do dado, porque ele está dentro da minha estrutura privada.

Por isso, as utilizações são das mais variadas. Tem gente utilizando para pesquisa, para visão computacional. Se você entrar no site da Nvidia, você consegue baixar uma máquina virtual pronta que tem o modelo Lhama (da Meta). Uma pronta que tem o DeepSeek e roda dentro de casa ou em uma nuvem adjacente, em nuvens existentes dentro de parceiros de data center. Pode ser pago por mês como serviço, seguindo o conceito do Dell Private Cloud, que serve tanto para otimização dos custos da nuvem, quanto para liberar investimentos para você fazer mais IA. 

VC – Então, o uso da AI Factory está mais relacionada à uma decisão estratégica do cliente? 

BA – Tem a visão estratégica, tem segurança e tem escalabilidade. Um exemplo que a gente tem aqui dos Estados Unidos, é um cliente que estava usando IA disponível da nuvem para fazer análise de ligações de clientes. Ele fazia análise para uma determinada quantidade de ligações de clientes por dia, em torno de 50 mil ligações/dia. Um dia ele falou: “Bom, então, agora ficou legal, vou usar a IA para todas as minhas ligações de cliente para melhorar o meu atendimento”.

Foi quando ele decidiu fazer a conta e viu que não dava. O que que ele fez? Nesse momento ele foi para um modelo estilo AI Factory e, para cada ligação analisada, o custo caiu 15 vezes, assim ele passou a analisar todas as chamadas. Então, tem a ver com uma decisão estratégica de quero ter um lugar onde eu posso analisar e usar tudo o que tem de mais moderno. Foi como quando saiu o DeepSeek e, duas semanas depois, você podia fazer download e colocar (em operação). O cliente quer fazer isso da forma mais econômica possível.

Força do agro em IA seria natural no Brasil

VC – Um ponto que tem gerado bastante debate são as barreiras existentes para implantação da IA. Entre as principais estão: dados, conhecimento, governança e legislação. Como que você vê isso no Brasil? Até que ponto esse tipo de barreira realmente impede o avanço de projetos de inteligência artificial? 

BA – Bom, primeiro, a governança e os dados são dois obstáculos que se interconectam. Você tem que ter os dados e você tem que ter eles de uma forma segura. Você não quer ver disponibilizadas informações para pessoas que não devem acessá-las. Então, organizar os dados de fato é um tema bastante importante. Assim, a gente pensa na AI Factory como esse motor do carro, vamos dizer assim. 

Um dia você quer fazer um carro de uma determinada marca, ou um carro de rally, um carro de Fórmula 1. Aí você tem que montar o carro. Para o combustível, você tem que ter a gasolina que, nessa analogia, são os dados chegando de uma forma organizada e bem governada. E o que nos ajuda? O Brasil é um dos lugares onde a gente tem um dos nossos centros de TI e desenvolvimento. São mais de 2 mil funcionários no Brasil que desenvolvem software dentro da nossa estrutura global.

Dentre desses, centenas são cientistas de dados e que já fizeram projetos incríveis para clientes diferentes, desde projetos para prever quais são os caixas eletrônicos que vão ser assaltados na semana que vem até outros de visão computacional para analisar a área plantada e ver como que isso evolui.

Temos pessoas para ajudar os nossos clientes, tanto no desafio da organização, quanto na governança dos dados. São pessoas, metodologia, ferramentas. Se tenho um problema de negócio que eu quero resolver, a gente pode, com o nosso time, chegar em como a tecnologia e a IA podem ajudar nessa missão. Por exemplo, você pode ter uma visão computacional, porque você faz download e joga na fábrica, algo para observar as peças que estão sendo produzidas. E quando começar a ter variações imperceptíveis, fala assim: “Olha, tá na hora de parar a máquina preventivamente para manutenção essa noite e não esperar começar a sair peça ruim”.

Isso é um exemplo meio simplório, mas poderia se aplicar a várias coisas que a gente nem imagina quais são. A gente tem dois grandes eixos agora: a produtividade, que é aquilo que a gente pode fazer com as LLM, e a inovação, que é o que e como eu posso fazer motores melhores. E esse eixo da inovação vamos enxergar cada vez mais. 

VC – Você traz em suas respostas a questão setorial. Sabemos que, no Brasil, agricultura tem tido bastante atenção por vários projetos que têm surgido para melhorar precisão, por exemplo. Saúde foi pioneira lá atrás e, também, experimenta o surgimento de várias soluções. Onde que você tem tido mais demanda? Quais setores você vê avançando com mais velocidade no Brasil? 

BA – Eu acho que agora a gente está indo para essa fase da maturidade da primeira onda de IA. O cliente fala assim: “Como é que eu faço isso de verdade para aquilo que eu já pensei”? Então vão ser dois movimentos que eu imagino acontecendo. Aquilo que você estava pilotando, experimentando etc. Agora eu vou fazer de verdade, muito voltado para produtividade. E isso vale para todas as indústrias.

Por outro lado, na medida em que isso amadurece, eu acho que ainda falta uma consciência do mercado, dos líderes executivos, das pessoas que IA não é só aquilo que a gente escreve e faz no mundo digital. Isso é uma consciência que ela vai vir, da mesma forma que há um ano se questionava: existe AI?

Depois nós tivemos o efeito DeepSeek, que mostrou que existem várias formas de fazer IA com as LLMs. Isso nos ajudou, inclusive, com o tema da fábrica de IA, porque você pode ter várias coisas ali. Eu espero que aconteça algum evento da mesma magnitude que dê a consciência do que você pode fazer com inovação. Porque aí vai começar a surgir esse segundo eixo da IA. 

Eu estava com um pesquisador indiano num evento, há dois meses, nos Estados Unidos, em um evento da Nvidia. Estamos trocando informações com ele, porque ele tem todo interesse em interagir com a comunidade médica do Brasil. Eles fizeram um modelo completo do cérebro humano, com todos seus neurônios, usando o poder computacional. Não um modelo para ter respostas como é cérebro, mas um modelo do cérebro.

Isso vai permitir uma nova fronteira de estudos do cérebro. Para a gente entender coisas como Parkinson, Alzheimer, porque uma pessoa deixa de enxergar e poder voltar a enxergar ou deixa de andar e poder voltar a andar. Ou seja, aquilo que a gente entende muito bem do coração, que a gente não entende nada do cérebro, a gente pode passar a entender. 

Poderíamos falar de melhores motores, de melhores carros, de qualquer coisa. Então, tem todo um eixo de inovação a ser explorado que eu acredito que vai vir de todas as indústrias. No Brasil, seria muito natural uma força vinda do agronegócio.

E eu acho que a gente deveria investir muito como sociedade e governo nesse ponto, porque imagina se todo o conhecimento que a Embrapa acumulou ao longo dos anos, que foi o que nos transformou num país muito forte no agro, fosse, agora, potencializado por visão computacional, uma melhor aplicação de todos os tipos de defensivos agrícolas, identificação das doenças nas plantações. Nós poderíamos dar um novo salto de produtividade no agro utilizando tudo isso. 

Não tenho dúvidas que devem existir inúmeras startups nesse momento pensando e fazendo isso e que muito provavelmente, em breve, vão passar pela mesma fase de maturidade de bom, agora eu tenho isso, mas agora eu preciso fazer isso para toda área plantada de um estado. 

Boom do mercado de data centers

VC – Eu queria entender um pouco a perspectiva que vocês têm com data center, porque tem um boom dessa indústria no Brasil. Tem projetos grandes que saíram agora, como o Rio AI City, o anúncio do governo federal com incentivos para data centers verdes, entre outros. Qual que é a perspectiva da Dell com esse mercado no Brasil? Você vê o país com essa possibilidade de ser hub de processamento de IA para América Latina?

BA – Nós temos uma oportunidade muito grande. Sem dúvidas. E na Dell eu cuido exatamente dessa área. Mas vamos começar com o mercado. Qual é o movimento que a gente vê? Um movimento de tentar otimizar o custo do que hoje é feito na nuvem pública para liberar recursos para investir em IA, inicialmente, para explorar e, depois, fazer IA de forma mais eficiente. Então, é um ciclo de foco de atenção e investimento. 

A tensão que você tinha muito grande antes de como levaria as coisas para nuvem, agora temos com o uso da IA para ajudar o negócio, para ajudar futuramente na inovação, que é uma consciência que tem que vir. 

À medida que isso acontece, naturalmente, vai ser necessário mais infraestrutura, mais eletricidade, mais água. Então, esses investimentos no Rio Grande do Sul, com a AI City da Scala, no Rio de Janeiro, com AI City da Elea, isso vai começar a acontecer cada vez mais.

E a gente tem que usar o que tem de melhor das tecnologias para otimizar isso. Temos na Dell a felicidade de ter a liderança em tecnologias que conseguem extrair o máximo da tecnologia com menor consumo por unidade produzida.

Agora, para que esse movimento aconteça, de fato, a gente tem que ter a demanda, para fazer a produtividade de acontecer, fazer esses projetos acontecerem. 

VC – Mas para Dell é um momento bom, pensando em termos de geração de negócio na indústria de data center?

BA – Para Dell é um momento excelente, porque assim, ter a capacidade de data center significa que a gente pode abastecê-los com os nossos produtos que vão processar, armazenar e organizar esses dados para que a IA aconteça ou para que o próprio uso da nuvem seja otimizado. 

Quando a gente olha o nosso resultado global do ano passado, é interessante notar que, pela primeira, vez o nosso resultado foi maior em data center do que em PCs. Os PCs continuaram muito forte. Ano passado, US$ 20 bilhões do nosso faturamento da empresa veio de AI, já é um negócio equivalente a 20% da empresa inteira, outros US$ 20 bilhões com servidores e outros US$ 20 bilhões com armazenamento.

Então, para nós, essa a resposta à sua pergunta é: AI é um excelente sinalizador para Dell e a gente acredita que vai continuar a ser, especialmente à medida que tem que ter uma adoção e fazer cada vez mais com AI.

*Entrevista realizada durante o Dell Technologies World 2025, em Las Vegas (EUA). O Coletivo Tech viajou ao evento a convite da Dell Technologies. 

Sem comentários registrados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *