As discussões éticas em torno das tecnologias emergentes, em especial, inteligência artificial, oscilam entre euforia e fogo de palha. Pouco se aprofundam num tema que pode nos levar a um ambiente cada vez mais sombrio enquanto sociedade, com perda da capacidade de atuação coletiva. O jogo de equipe, time, que tanto se propaga no ambiente corporativo e que é algo natural ao ser humano. Ninguém nasce para viver 100% independente, isolado e, ao que parece, existe uma tentativa de romper com esse paradigma. Por quê? Estaríamos passando do ponto em relação ao poder que damos às tecnologias e ao espaço que elas ocupam em nossas vidas (pessoais e profissionais)?
Assim como escrevi no meu último texto sobre qualificação profissional, de longe não sou do grupo pessimista e tampouco me junto aos contrários ao uso da tecnologia em prol de uma sociedade mais justa, inclusiva e com mais qualidade de vida. Entendo, no entanto, que é preciso debater melhor o como, compreender (e estabelecer) os limites e refletir sobre o impacto no viver em grupo e, obviamente, na economia e na sustentabilidade do nosso planeta.
Douglas Rushkoff, celebrado professor da Universidade da Cidade de Nova York e considerado pelo MIT um dos 10 intelectuais mais influentes no mundo, ampliou essa reflexão em mim. Em passagem pelo Brasil para palestrar na programação do Fronteiras do Pensamento, o autor do livro Equipe Humana lançou várias provocações e nos convidou a refletir sobre o papel de domínio que a tecnologia ganhou nos últimos anos. Ele lembra que, ao ser anunciada, a internet, por exemplo, serviria para conectar ainda mais as pessoas, mas que acabou se tornando um instrumento com fim exclusivamente financeiro, buscando tornar as pessoas mais e mais produtivas e afastando-as do seu eu natural.
O professor lembrou em sua fala dos investimentos em torno do “eyeball hour” para mensurar o quanto de atenção seria possível captar das pessoas na tela do computador/smartphone o que, para Rushkoff, nada mais é do que “uma máquina controlando a pessoa, explorando o humano”. Outro conceito que ele bateu também foi o da exponencialidade, muito utilizado no mundo da tecnologia, afirmando que exponencialidade e humanos são incompatíveis. Na visão do professor, trata-se de um conceito que apenas mostra uma fuga da realidade e, consequentemente, das pessoas, dizendo ser impossível do ponto de vista prático crescer de forma infinita, ainda que o mercado de ações e o de criptomoedas busquem isso de alguma maneira.
Deixei para o final deste texto a fala que abriu a participação de Rushkoff porque conversa com esse link da exponencialidade, mas, também, com o título que escolhi para o artigo. Resumidamente, conta o especialista ter sido chamado por um grupo de bilionários, a nata da economia digital e do sistema financeiro, para falar sobre futuro e, no fim das contas, eles queriam consultá-lo sobre o melhor local para construção de um bunker, isso mesmo, um bunker para ser utilizado no que eles chamavam de “the event” (catástrofe climática, apocalipse, a tradução que melhor vier à sua cabeça).
Rushkoff disse ter questionado coisas simples: onde vocês vão comprar peças para sua piscina aquecida dado que o mundo fora do bunker estará destruído? Como vocês vão chegar em segurança ao local e lidar com aqueles que gostariam de se proteger nesse lugar? “O que mais me chocou foi a inabilidade dessas pessoas em repensar ações para um futuro sem catástrofe. A única grande ideia que eles tinham era se proteger num bunker com piscina aquecida. No fim, eles só queriam escapar das pessoas”.
E aí eu pergunto: estamos passando do ponto com o foco intenso em tecnologia? Quando o Japão trouxe o conceito de Sociedade 5.0, em partes, fugia desse apego, colocando o ser humano no centro e a tecnologia a serviço da qualidade de vida. A fala de Rushkoff sobre aqueles que dominam a tecnologia buscarem um bunker para fugir das pessoas, mostra um processo de desumanização que precisa ser contido. Existem várias frentes de debates nesse sentido, desde aquelas que buscam olhar a liderança pela ótica regenerativa até as que trabalham com jovens para que lidem melhor com suas frustrações e aprendam a conviver mais e melhor para além das telas. Sem um balanceamento, seremos uma sociedade cada vez mais doente e menos humanizada. A escolha está em nossas mãos e a busca do ponto de equilíbrio é urgente e necessária.
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