Discutir inteligência artificial não pode se resumir a ser a favor ou contra. Contexto importa, se aprofundar no tema também. Pode ser que essa tecnologia não entregue tudo o que promete, mas já existem exemplos suficientes de que ela pode apoiar em uma série de tarefas profissionais, resultando, por exemplo, em mais produtividade. O debate bem feito e essa capacidade de imaginar cenários foram alguns dos pontos que deram o tom da participação do astrofísico Neil deGrasse Tyson no Dell Technologies World 2025, em Las Vegas (EUA). “Queremos pessoas que estejam famintas por novas ideias. Às vezes, me perguntam sobre o início do universo e falam que é o big bang; sempre digo que não sabemos. E estou confortável com a incerteza, mas muitas pessoas não estão”, provocou.

Tyson trouxe diversas falas provocativas, já que a ideia era tirar as pessoas do senso comum, causar desconforto e, assim, provocar ação. Antes de entrar na inteligência artificial de fato, ele trouxe um contexto histórico, lembrando que discutir o mundo e o universo há 200 anos atrás, por exemplo, não seria nada próximo de uma discussão atual, já que, naquele momento, não havia dados, framework, não tinha como pensar da mesma maneira que pensamos hoje. E assim, entende Tyson, é o momento que vivemos com o frisson em torno de IA. A ferramenta abre novas possibilidade de pensar e imaginar além de determinadas fronteiras. “Mas pela primeira vez (com IA Generativa) a vida criativa das pessoas foi tocada. Só que há muito tempo computadores substituem pessoas, a diferença é que agora os sistemas tocam em pontos não tocados antes.”

Tyson entende que toda inovação cria gatilhos para novas descoberta e que, IA, vem para empoderar as pessoas a pensarem de maneira distinta. Isso não significa, no entanto, que o astrofísico seja um super defensor da tecnologia. A fala dele transita entre euforia e pragmatismo. Antes da sua visão sobre a tecnologia, ele citou o seguinte exemplo: em uma cena, ele pergunta a altura de uma determinada igreja para um estudante e ele responde prontamente por ter lido a informação na internet, não por ter comprovado. Para um outro, ele pergunta a altura de uma pessoa desconhecida, sem saber, o estudante estimou a altura ao comparar o tamanho da sua sombra à da outra pessoa, ou seja, usou um tipo de engenharia para obter a resposta. 

Inteligência artificial é, fundamentalmente, a soma de todo conhecimento humano que está a internet, ela não tem capacidade de gerar uma nova ideia. Se eu encontrar um molusco não catalogado, a IA não saberá responder, já que tal existência não foi mapeada. Posso fazer novas descobertas que ela não pode. Não acho isso ruim, todos ganham”, refletiu.

Impacto na sociedade

Olhando para o impacto na sociedade, que é amplamente debatido, seja por eventuais riscos de ampliar desigualdades ou causar um desemprego em massa pela automação ampliada, o astrofísico aponta uma visão contrária sobre o que pode vir a acontecer. Para isso, ele recorre aos anos 60, quando computadores estavam ainda no horizonte e tudo era muito voltado para pensar futuro, fosse da casa, da comida, do transporte, os famosos carros voadores. E, já naquele momento, a automação da vida trazida pela computação era algo recorrente no imaginário popular. 

Trazendo para o momento atual, onde o debate em torno da IA generativa e dos agentes tomam conta de todas as conversas sobre tecnologia, Tyson acredita que nós devemos atribuir um valor ao que pode ser automatizado. “Eu não sou tão automatizável. Eu sou um pouco mais inconstante. E é isso que torna as pessoas interessantes. Você não saber o que elas vão fazer em seguida. É isso que torna a vida divertida. É isso que faz assistir a um filme interessante”, comentou o cientista.

De maneira divertida e didática, Tyson vai e volta em suas crenças em torno da tecnologia. Mas no fundo, ele acredita que o impacto já está em andamento, ainda que muitas pessoas não aceitem ou não acreditem. Para o astrofísico, assim como aconteceu com outras ferramentas no passado, IA vai ser tornar parte da nossa cultura enquanto sociedade, ainda que muitas pessoas estejam assustadas para um futuro que, na verdade, já é presente. “Há pessoas por aí dizendo: ‘Não me importo com IA, nunca a usei.’ Sem saber que metade das tarefas que realizaram naquele dia foram possibilitadas por algum nível de IA, nas ferramentas que usam para fazer o seu dia acontecer. E até mesmo coisas que você nem chama mais de IA. Estou no meu carro e o carro me diz: ‘Não vá por aqui. Houve um acidente.’, pontua, ao lembrar de coisas simples possibilitadas por algoritmos de diferentes tipos de IA, como o próprio Waze.

O que será das pessoas?

Sobre o futuro das pessoas, Tyson acredita que haverá sim mudanças e diferenças, mas, no fundo, as pessoas seguem sendo pessoas. Haverá novidades na forma de trabalhar, assim como atualmente já é diferente de 10 anos atrás. Contudo, ele reconhece que a velocidade como as coisas acontecem pode assustar, até pelo tempo para se adaptar ao que está em curso. Esse momento deve, inclusive, alterar a velocidade de nossas expectativas. “Há quanto tempo você tinha o emprego dos seus pais e nunca imaginou viver de forma diferente?”, questionou?

O astrofísico vinha na esfera da adaptabilidade e do uso da IA como ferramenta de empoderamento até surgir a questão dos humanóides. Ele não entende o porquê de querer criar uma máquina à semelhança das pessoas para desempenhar determinadas tarefas e brincou: “é um pouco assustador porque ele consegue virar a cabeça e sabemos o que os membros fazem”. Ele disse não ver nenhum sentido nisso e fez outro comparativo: pediu que as pessoas imaginassem construir um robô que as pudesse levar ao trabalho. Na sequência questionou: para quê? O carro já o robô nesse caso. “E o carro não se parece em nada com você, porque seria estúpido ter um carro parecido com você te levando para o trabalho.”

Já para o final de sua intervenção, Tyson refletiu sobre os questionamentos aos modelos educacionais e reforçou a necessidade de, uma vez que estamos na era do conhecimento, estudar o óbvio. Para ele, que também se enquadra no papel de educador, esse tipo de atividade foi e segue sendo necessária. “Quando você se educa, você deve priorizar não o que saber, mas como pensar, como processar informações, como avaliar informações, como usar informações para derivar novas informações. Informação importa, mas esse não é o ponto final. É isso que alimenta o mecanismo do seu cérebro para gerar uma nova ideia”, ensinou.

Outra crítica forte nesse sentido é o questionamento sobre a praticidade de determinado conhecimento, seja quando um adulto opta por um curso qualquer ou quando jovens na escola relutam a determinadas tarefas ou disciplinas sob a pecha de que nunca vão usar aquele conhecimento na vida. “Por que você está ensinando isso? Isso não vem ao caso. O que importa é que quando você aprende essas coisas, você está treinando sua mente para processar informações. Aqui estão alguns pedaços, você os reúne e novas informações são derivadas deles.” A defesa do astrofísico é que, ainda que você possa realmente não usar determinado assunto na sua vida, uma vez que seu cérebro passou por exercícios, como os matemáticos, ele te deu a capacidade de resolução de problemas, cada vez mais essencial.

*O Coletivo Tech viajou à Las Vegas a convite da Dell Technologies

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